A Transfiguração de Jesus

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Jesus é o Filho de Deus e o projeto que Ele propõe vem de Deus, está construído sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. O monte: é sempre num monte que Deus Se revela; e, em especial, é no cimo de um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo.

A mudança do rosto e as vestes brilhantes, muitíssimo brancas, recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai, depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei. A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto. Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas, que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus; além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva.

O temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer pessoa, diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus. As tendas parecem aludir à “festa das tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas”, no deserto.

A mensagem fundamental pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: Ele é um novo Moisés – isto é, Aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem Deus propõe a todos nós uma nova Aliança.

Da ação libertadora de Jesus, o novo Moisés, irá nascer um novo Povo de Deus. Com esse novo Povo, Deus vai fazer uma nova Aliança; e vai percorrer com ele os caminhos da história, conduzindo-o através do “deserto” que leva da escravidão à liberdade. Esta apresentação tem como destinatários os discípulos de Jesus, esse grupo desanimado e frustrado porque no horizonte próximo do seu líder está a cruz e porque o mestre exige dos discípulos que aceitem percorrer um caminho semelhante. Aponta para a ressurreição, aqui anunciada pela glória de Deus que se manifesta em Jesus, pelas “vestes brilhantes, muitíssimo brancas”, que lembram a túnica branca do “jovem” sentado junto do túmulo de Jesus e que anuncia às mulheres a ressurreição, e pela recomendação final de Jesus que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do Homem não ressuscitasse dos mortos.

Entendamos: a cruz não será a palavra final, pois no fim do caminho de Jesus e, consequentemente, dos discípulos que seguirem Jesus, está a ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte.

Uma palavra final para o desejo – manifestado por Pedro – de construir três tendas no cimo do monte, como se pretendesse “assentar arraial” naquele quadro. O pormenor pode significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus. Jesus nem responde à proposta. Ele sabe que o projeto de Deus – esse projeto de construir um novo Povo de Deus e levá-lo da escravidão para a liberdade – tem de passar pelo caminho do dom da vida, da entrega total, do amor até às últimas consequências.

A questão fundamental expressa no episódio da transfiguração está na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o projeto salvador e libertador do Pai em favor da humanidade, através do dom da vida, da entrega total de Si próprio por amor. Pela transfiguração de Jesus, Deus demonstra aos fieis de todas as épocas e lugares que uma existência feita dom não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de pôr a sua vida a serviço dos irmãos.

Na verdade, todos nós temos alguma dificuldade em perceber esta lógica. Para muita gente a vida plena não está no amor levado até às últimas consequências, até ao dom total da vida, mas sim na preocupação egoísta com os interesses pessoais, com o orgulho, com o próprio pequeno mundo privado; não está no serviço simples e humilde em favor dos irmãos, sobretudo dos mais débeis, dos mais marginalizados, dos mais infelizes, mas no assegurar para si próprio uma dose generosa de poder, de influência, de autoridade, de domínio, que dê a sensação de pertencer ao número dos vencedores.

Para muita gente a vida plena não está numa vida vivida como dom, com humildade e simplicidade, mas numa vida feita um jogo complicado de conquista de honras, de glórias, de êxitos. Na verdade, onde está nossa plena realização? Quem tem razão: Deus, ou os esquemas humanos que hoje dominam o mundo e que nos impõem uma lógica diferente da lógica do Evangelho?

Por vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece que, seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado. A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimem, pois a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.

Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não tinham muita vontade de descer à terra e enfrentar o mundo e seus problemas. De certa forma, eles representam  aqueles que vivem de olhos postos no céu, mas alheios à realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para renovar, transformar e melhorar nosso mundo.

No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a regressar ao mundo, a estar presente no mundo, para testemunhar a todos, mesmo contra a corrente, que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a estar presente no mundo, nos seus problemas e dramas, sem sermos do mundo, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.

Dom Leonardo de Miranda Pereira
Bispo Emérito da Diocese de Paracatu 
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