A força histórica dos pobres

whatsapp-white sharing buttontelegram-white sharing buttonfacebook-white sharing buttontwitter-white sharing button
Até fins dos anos 1980 e começos de 1990 a gente acreditava que podia mudar o mundo através da nossa prática político-religiosa. Era o auge da Teologia da Libertação (TL), da consolidação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), dos movimentos populares (Comissão Pastoral da Terra – CPT, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, da Central Única dos Trabalhadores – CUT) e, sobretudo, da retomada da democracia, com eleições gerais no país.

Os movimentos de Igreja, mormente aqueles ligados à TL, estavam em alta na Igreja da América Latina. Nesse tempo, participei de ocupações de terra no Triângulo Mineiro, andei todo o recém criado Estado do Tocantins assessorando assentamentos rurais, estive no tenso Bico do Papagaio que, para quem não sabe, é o cruzamento dos rios Araguaia e Tocantins, confluência de três estados: Maranhão, Pará e Tocantins, a região mais tensa do país.

Lá foi assassinado covardemente o padre Josimo Morais Tavares, defensor dos pobres e excluídos. Pouco depois de sua morte, lá estava eu hospedado em sua casa, em São Sebastião do Tocantins, para assessorar a primeira assembléia nacional de quebradeiras de coco de babaçu. Entramos – eu e frei Edilson – escondidos no Bico do Papagaio sob risco de sermos mortos por grileiros. Uma semana inteira entre Sete Barracas, Centro dos Mulatos – em casa das freiras Mada e Bia, duas francesas que largaram o conforto de Paris para viverem entre os pobres do Araguaia – e outros acampamentos cujos nomes se perderam em minha memória. Ainda tateávamos no exercício da democracia. Eram tempos difíceis aqueles. Mas era, principalmente, a Igreja dos pobres que emergia da periferia para os grandes centros.

Os documentos de Medellín e Puebla eram os nossos norteadores nas reflexões teológicas. Estudávamos exaustivamente os livros proféticos, especialmente Isaías. Líamos também nos círculos bíblicos o livro de Jó. Nesses dois livros, especialmente, víamos (e ainda vejo) não só a prefiguração do Cristo, mas também das grandes massas populares do nosso continente, los de abajo, nas palavras do padre Gustavo Gutierrez. Críamos, piamente, que iríamos construir uma nova sociedade, não mais atrelada aos ricos e poderosos, mas vinculada aos anseios dos despossuídos.

Se o voto era um instrumento de luta, fizemos uso dele nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, na tentativa de eleger o primeiro Presidente da República vindo do meio operário. Só em 2001 esse sonho se realizou com a eleição de Lula. Se não realizamos todos os nossos sonhos – o maior deles talvez fosse uma ampla reforma agrária no país – pelo menos saímos vitoriosos na questão simbólica. Provamos para o mundo – e para nós mesmos – que sim, somos capazes. Não bastasse isso, para suceder o metalúrgico, elegemos uma mulher. Ela não precisa fazer muito. O simples fato de ter sido eleita já derruba paradigmas. Para nós potiguares, que vimos de um Estado com longa tradição de mulher na política – a primeira prefeita da América Latina era norte-rio-grandense –, numa época em que nos demais estados da federação mulher não tinha nem direito a voto, não há o que temer, apenas comemorar.
XMCred Soluções Financeiras
whatsapp-white sharing buttontelegram-white sharing buttonfacebook-white sharing buttontwitter-white sharing button