A EXISTÊNCIA, A MORTE E O PORVIR – por Tarzan Leão

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Sempre que se colocar a questão do nosso ser-no-mundo enquanto presença ou existência, será posta também a questão do nosso ser-para-a-morte. Isto porque, toda existência comporta em si uma in-existência, de modo que o porvir virá inevitavelmente à tona como condição sine qua non, dada a emergência de uma angústia, dirá Heidegger, que nos é inerente dada a nossa finitude.

No seu grande estudo (Sein und Zeit) sobre a questão do Ser (Dazein), Heidegger nos dirá que “a expressão composta ‘ser-no-mundo’, já na sua cunhagem, mostra que pretende referir-se a um fenômeno de unidade. Deve-se considerar este primeiro achado em seu todo.” Nós não só estamos-no-mundo, mas, somos-no-mundo, e formamos, por isto mesmo, um-só-com-o-mundo. O ser humano é, dirão alguns, o mundo que pensa. Por esta consciência-de-si como único, o ser humano, por isto mesmo, se sente só num Universo que, hoje sabemos, é infinito. Desse sentir-se só, dirá a Antropologia, surgirá a religião (do latim, re-ligare), ou seja, a busca de re-ligação com o Divino, do qual nos perdemos, nos des-ligamos.

É o ser humano o único vivente consciente de sua própria existência. É, de outro modo, o único a dizer Eu Sou!, ou ainda, na clássica expressão de Descartes, “cogito, ergo sum”. Há neste fato uma grande singularidade, fonte de inquietação para a filosofia, mormente pós-Sócrates. Lévinas, em momento de grande inspiração, dirá que, “na realidade, o fato de ser é o que há de mais privado; a existência é a única coisa que não posso comunicar; posso contá-la, mas não posso partilhar a minha existência. Portanto a solidão aparece aqui como o isolamento que marca o evento do próprio ser.” Daí, dizemos, também a morte não pode ser partilhada, nem sentida, a não ser pelo mesmo ser-que-morre; porém, pela própria condição de ser-morrente, não pode comunicar aos outros a sua experiência de morte, nem, de outro modo, comunicar-se. Ainda que essa experiência seja única, nos advertirá Lévinas, “na culpabilidade de sobrevivente, a morte do outro diz-me respeito. A minha morte é a minha parte na morte de outrem e, na minha morte, eu morro esta morte que é minha falta.” Toda morte prenuncia uma falta que jamais se completará, a não ser pela memória. O morto se faz presente paradoxalmente pela ausência.

A existência de uma vida post mortem faz parte da mais antiga tradição filosófica. Platão, no diálogo Fédon – que trata da imortalidade da alma –, discutirá a questão até a exaustão, contextualizando o tema dentro do cenário da morte de Sócrates. Em meio a grande discussão, dirá Sócrates: “se a alma é verdadeiramente imortal, é preciso que zelemos por ela, não apenas durante o tempo atual, que chamamos viver, mas durante todo o tempo, pois seria grave perigo não se preocupar com ela. Admitamos que a morte seja tão-somente uma total dissolução de tudo. Que sorte admirável estaria então reservada para os maus que se veriam libertos de seu corpo, de sua alma e de sua própria maldade! Mas, na verdade, uma vez tendo sido tornado claro que a alma é imortal, não haverá fuga possível para ela frente a seus males, a não ser que se torne melhor e mais sábia.” Impossível não ser tomado de emoção diante da leitura do Fédon de Platão. Emoção que será partilhada por Agostinho e por outros padres da Igreja, quando da formulação cristã da concepção da imortalidade da alma.

A filosofia, no entanto, não nos esclarece convincentemente quanto à imortalidade da alma. Somente a partir do evento da ressurreição de Cristo é que se pode, com um mínimo de segurança, explicar esse porvir, ao qual a experiência cristã denomina de vida eterna. É a isso que Paulo se refere (ICor 13-17) quando diz, “ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem fundamento, e sem fundamento também é a vossa fé. Se os mortos não ressuscitam, estaríamos testemunhando contra Deus que ele ressuscitou Cristo enquanto, de fato, ele não o teria ressuscitado. Pois, se os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem nenhum valor e ainda estais nos vossos pecados.” De que outra forma haveremos de explicar o porvir, senão pela via da ressurreição? Ou, de outra forma, qual a razão para o nosso ser-no-mundo se tudo acaba aqui mesmo, sem possibilidade real de um porvir que nos acolha na sua infinitude?

A morte é parte constituinte do nosso cotidiano de modo que não há experiência de vida sem experiência de morte. A morte, no entanto, não é o fim para aquele que crê, mas tão-somente a porta pela qual adentramos numa nova vida que jamais terá fim.
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