DOSTOIEVSKI E O TORMENTO DE DEUS – por Tarzan Leão

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Fiódor Dostoievski é, sem sombra de dúvida, o escritor que mais me marcou. Entrei em contato com a obra do grande romancista russo no distante ano de 1987, durante os meus primeiros anos na Ordem dos Pregadores, na pequena e bucólica Santa Cruz do Rio Pardo, no interior paulista. Ali, na Escola Apostólica Dominicana, durante as madrugadas, eu devorava a obra de Dostoievski enquanto caminhava de um lado para outro do meu quarto para não ser dominado pelo sono. De tão fascinado que fiquei, comecei, sozinho, a estudar a língua russa, um desafio que me custou outras noites sem dormir e constantes repreensões do frei Carlo Quadri, que não concordava com as minhas noites insones, mergulhado no mundo dostoievskiano.

Poucos escritores mergulharam tão profundamente na alma humana quanto Dostoievski. Nem mesmo Freud, o fundador da psicanálise, foi capaz de ir tão longe. Quem é Nietzsche se o compararmos a Dostoievski! Porque ele é, dentre todos os escritores, o mais atormentado por Deus. Toda a sua correspondência e obra atestam isso. Talvez por isso mesmo a sua obra me seja tão cara, os seus livros toquem tão fundo em minha alma. “Deus me tem atormentado a vida inteira”, concluiu pateticamente Kirílov, personagem de Os demônios. E essa frase resume de certa forma, a vida e a obra desse notável romancista.

Toda vez que leio a luta de Jacó com o anjo (Gn 32,25-32), a lembrança de Dostoievski vem nítida à minha mente. Os grandes mestres da espiritualidade travaram lutas renhidas com Deus: João da Cruz e Mestre Eckhart atestam muito bem esse argumento. Jacó, o grande patriarca, depois de roubar a primogenitura do seu irmão Esaú, fugira com medo de que este o matasse. Passados vinte anos, eis que Jacó retorna à sua terra. Antes, porém, de encontrar-se com seu irmão, diz o texto bíblico, “quando depois ficou sozinho, um homem se pôs a lutar com ele até o raiar da aurora. Vendo que não podia vencê-lo, atingiu-lhe a coxa, de modo que o tendão da coxa de Jacó se deslocou enquanto lutava com ele. O homem disse a Jacó: ‘Larga-me, pois já surge a aurora’. Mas Jacó respondeu: ‘Não te largarei, se não me abençoares’. E o homem lhe perguntou: ‘Qual é o teu nome?’ — ‘Jacó’, respondeu. E ele lhe disse: ‘Doravante não te chamarás Jacó, mas Israel, porque lutaste com Deus e com homens, e venceste’. E Jacó lhe pediu: ‘Dize-me, por favor, teu nome’. Mas ele respondeu: ‘Para que perguntas por meu nome?’ E ali mesmo o abençoou. Jacó deu àquele lugar o nome de Fanuel, pois disse: ‘Vi Deus face a face e minha vida foi poupada’.”

Jacó, à semelhança de Dostoievski, foi outro grande atormentado por Deus. Porque para o verdadeiro crente, Deus não é consolo, é inquietação. Ivan Karamazov dirá que, “o que é espantoso, prodigioso, não é a existência de Deus: o que é prodigioso, é que esse pensamento – o pensamento da necessidade da existência de Deus – tenha podido surgir no crânio de um animal tão selvagem e mau quanto o homem, por tal forma esse pensamento é santo, comovente e sábio, a tal ponto honra a humanidade”.

“A mim, é Deus que me atormenta”, diz Mitia Karamazov. “E se Ele não existe? Se é Rakitine quem tem razão, quando pretende que Deus é uma ideia artificial criada pela humanidade? Então, se Deus não existe, o homem é dono da terra, do universo. É esplêndido. Mas como pode ele ser virtuoso sem Deus? Aí é que está o problema. Volto sempre a isso. A quem amará o homem então? A quem será agradecido? A quem cantará seus hinos”?

Dostoievski, o atormentado de Deus, em carta à baronesa Von Wizine, redigiu o seguinte credo e que, creio eu, sintetiza toda a sua busca. “Este credo é muito simples. Ei-lo: crer que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu o digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n’Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade.”

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