EU SOU TODOS NÓS, por Tarzan Leão

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“Eu não sou eu
Eu sou você,
Eu sou todos nós”.
Marcus Vinicius
Há muito pouco de originalidade em cada um de nós. Mesmo os nossos desejos, sobretudo aqueles mais recônditos, não são efetivamente nossos desejos. Isso porque, desejamos sempre segundo o desejo do Outro. Ou seja, entre nós e o objeto desejado há sempre a figura de um mediador. De modo que o que fazemos de mais original é imitar. Essa é, em poucas linhas, a base da teoria do desejo mimético desenvolvida por René Girard.

As escolhas que fazemos por nós mesmos são mínimas. Desde o momento da concepção, somos fruto do desejo do Outro, ou de outros, para ser mais preciso. Viemos ao mundo como fruto do desejo de duas pessoas que nos desejaram antes mesmo que existíssemos. E a nossa vida vai ser, do nascimento até a morte, uma sucessão de imitações. Ou seja, somos segundo o desejo dos outros.

Logo cedo nossos pais nos induzem, embora inconscientemente, a imitar. A primeira coisa que devemos aprender é a ser homem, se nascermos varão, e a ser mulher, se nascermos fêmea. Menino faz xixi em pé, menina faz de cócoras; menino brinca de dirigir caminhão, menina ganha uma cozinha em miniatura e uma boneca para aprender a ser mãe. Qualquer comportamento que fuja a esse padrão é, via de regra, visto como desvio de personalidade. Triste do menino que for delicado, que não conseguir se defender de possíveis agressões físicas na escola ou na rua. Mais triste ainda se esse menino for frágil, carinhoso, tiver a voz macia e rejeitar, pelo menos em parte, as brincadeiras tipicamente masculinas. No universo feminino se repete esse cenário cruel e aterrador. Vivemos numa cultura na qual não se pode ser diferente.

Os pais, sem o querer, ou nas melhores das intenções, são os primeiros a eleger modelos para os filhos imitarem: compram, para os meninos, a camisa do seu time favorito e, para as meninas, roupas e acessórios das atrizes famosas ou mesmo dessas moças reboladeiras que vez por outra fazem sucesso sacolejando as ancas nos programas de TV. Depois, esses mesmos pais, não sabem por que seus filhos não gostam de estudar, porque se saem mal na escola, porque, ainda na adolescência, só pensam em namorar ou em baladas. Aliás, e por falar em televisão, ela é talvez a grande responsável pela proliferação do desejo mimético na sua mais atroz e doentia forma. Numa Nação, onde os mais importantes ícones são jogadores de futebol, corredores de Fórmula 1 e celebridades sem nenhum relevante serviço prestado senão aparecer nos duvidosos programas de TV, não é de se estranhar que esse país figure no fim da fila, entre os piores países do mundo, quando o assunto é educação.

Não há como fugir à força avassaladora do desejo mimético. Estaremos sempre imitando alguém. E mais, entre a pessoa desejante e o objeto desejado há sempre um terceiro mediador. Vivemos numa sociedade onde reina a frivolidade e a ilusão do sucesso fácil. Raramente aqueles mesmos programas especializados em mostrar as ditas celebridades se preocupam em conscientizar as pessoas quanto à árdua e trabalhosa vida de um ator; e, quando mostra um atleta, nunca, ou quase nunca, mostra o seu dia-a-dia, as horas de treinamento que são necessárias para se conseguir um título, a sua luta contra o cansaço, a sua batalha para vencer os limites do próprio corpo. Não, porque simplesmente isso não interessa. Então tudo parece fácil. Tudo parece acontecer como num passe de mágica. Ademais, para que frequentar escola se a conquista de sucesso ou de dinheiro não aparece vinculada necessariamente ao ato de estudar?

É bom, vez por outra, romper com o mimetismo, quebrar o círculo vicioso sob o qual vivemos e estabelecer novos parâmetros de vida, sobretudo quando detectamos resquícios patológicos no seio da própria sociedade. E se o nosso Eu é a somatória de outros Eus, pode ser hora de rever esses modelos.

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