A grande crise moral pela qual passamos é assustadora. Essa crise, em alguns aspectos, é decorrente do relativismo ético que campeia a sociedade contemporânea. Uma sociedade onde ninguém é de ninguém e os valores parecem desmoronar-se um pouco a cada dia.
Parte desse relativismo surge como consequência da ética burguesa e da valorização exacerbada do indivíduo em detrimento da coletividade. O “eu” cresceu de tal forma que suplantou o “nós”, de modo que fez crescer a falsa ideia de que o mais importante é o que “eu” sinto, o que “eu” vejo, no que “eu” acredito e assim sucessivamente. O problema é que esse é, por contraditório que pareça, o caminho mais curto que existe para a intolerância e o totalitarismo.
É atribuída a Protágoras (Abdera, 485 a.C. – Sicília, 410 a.C.) a frase que uso para dar título a este artigo. E resume, de forma lapidar, todo o relativismo dos Sofistas, corrente filosófica à qual ele está vinculado. Para os sofistas (sofista quer dizer, literalmente, sábio), a experiência individual é o único critério real da verdade. Ou seja, não existem leis eternas e verdades objetivas, mas tão-somente opiniões. Os sofistas eram professores viajantes que andavam pelas cidades gregas ensinando retórica, lógica e filosofia. Eles, à semelhança de muitos profissionais da atualidade, não estavam preocupados com aquilo que seus alunos pudessem fazer com o que eles ensinavam. A questão ética não estava em discussão. Foi Protágoras quem disse “que cada um de nós é a medida das coisas que são e que não são; mas existe uma diferença infinita entre homem e homem, e exatamente por isso as coisas parecem e são de um jeito para uma pessoa e, de outro jeito, para outra pessoa”. Sócrates vai posicionar-se radicalmente contra esse tipo de pensamento, buscando demonstrar a necessidade de uma ética universal e que servisse para todos e em qualquer lugar.
Para Protágoras, por exemplo, os modos de organização social e política são criados pelos homens de acordo com as circunstâncias e conveniências, e não de um princípio de justiça universal. Isso também acontece no âmbito da moral. Para ele, bem e mal não passam de valores que os homens resolveram chamar por esses nomes.
Certa feita um professor de filosofia perguntou a seus alunos o que é fazer o bem, ao que um aluno respondeu: fazer o bem é ajudar ao próximo. Descontente com a resposta, o professor colocou a seguinte questão: suponhamos que, ao retornar à sua casa, logo ali na praça você se depara com uma cena inusitada: uma pessoa está tentando abrir um carro forçando a porta. Vendo você se aproximar, lhe faz o seguinte pedido: “amigo, me faça um favor, fique aí nessa esquina olhando e, se por acaso aparecer alguém, me avise”. Como agir diante de tal situação? Fazer o que pede essa pessoa é ajudar? E, para a surpresa do professor, o seu aluno disse “sim”, e completou: “se o carro é dele ou não, isso não é problema meu”.
O profissional que mais se aproxima dos sofistas é o marqueteiro, trabalhe ele com marketing político ou comercial. Esses profissionais, geralmente, não querem saber, por exemplo, se o cigarro provoca câncer ou se o álcool gera dependência. O que importa é se o produto vai vender. Ele também não quer saber se determinado político é honesto ou se irá defender os interesses dos menos favorecidos. A ele o que importa saber é se o seu candidato vai ganhar as eleições. E repetem, para o consolo da própria consciência, a máxima “pagando bem, que mal tem?”,
Protágoras, assim como o seu relativismo, foi condenado e teve de deixar a pólis grega, morrendo num naufrágio na Sicília. Porém, sua filosofia ainda teima em viver e o pior é que não faltam adeptos para segui-la.