De tanto a história ter desjudaizado Jesus, seja através da literatura, da iconografia e mais notadamente do cinema – que o apresenta quase sempre de tez clara, cabelos loiros e olhos levemente esverdeados –, praticamente nos esquecemos de que Ele nasceu, viveu e morreu como judeu. Retomar a questão da judaicidade de Jesus não é algo irrelevante, nem assunto de menos importância. É pagar uma dívida que temos para com o povo judeu, perseguido e injustiçado durante pelo menos os últimos dois mil anos.
Os evangelhos – especialmente os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) –, embora escritos já quando os seguidores de Yeshua se distanciavam do judaísmo, evidenciam desde o princípio a sua pertença ao povo de Israel.
Mateus começa o seu relato evidenciando o fato de Jesus pertencer à casa de Davi, (Mt 1, 1-17); raciocínio que é também seguido por Lucas (Lc 1, 32; 3, 23-38), que menciona o fato de “quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, foi-lhe dado o nome de Jesus (Yeshua), conforme o chamou o anjo, antes de ser concebido.” Pois segundo a Torá (a Lei de Moisés), todo homem deverá ser circuncidado (Gn 17, 10; Ex 4,24; Lv 19,23). É o mesmo Lucas que o coloca oito dias após o seu nascimento novamente com seus pais para a purificação no Templo. A Bíblia de Jerusalém nos lembra que “a purificação era imposta só à mãe; mas a criança devia ser resgatada. Lucas nota cuidadosamente que os pais de Jesus, como os de João, cumpriram todas as prescrições da Lei.” Como por exemplo, o costume de ir anualmente a Jerusalém para a festa da Páscoa, Pessach, em hebraico (Lc 2, 41-42). Há ainda passagens belíssimas, como esta que diz que “ele foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado (Shabbat) na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura”(Lc 4, 16).
Ou seja, engana-se quem imagina que Jesus tenha sido Católico, Protestante ou mesmo – pasmem! – Cristão, muito embora seja ele o próprio Cristo, filho de Deus. Para espanto de muitos, ele não pertenceu a nem uma dessas denominações. Nunca é demais lembrar que todo o Novo Testamento, de Mateus até Apocalipse, em momento algum nega o fato de Jesus de Nazaré ter nascido e vivido de acordo com a Lei de Moisés. Donde não é difícil também deduzir que ele não era romano, nem europeu ou muito menos estadunidense, como nos tenta fazer crer subliminarmente o cinema hollywoodiano.
Chega a ser inacreditável o fato de vivermos submersos numa ignorância tão profunda. Dizemos professar uma fé mas nem sempre temos o cuidado de nos aprofundar intelectualmente no conhecimento dessa mesma fé à qual estamos ligados, e desprezamos estudos de linguística, geografia, economia e exegese bíblicas. E o mais grave: são poucos os que estudam as Sagradas Escrituras no seu conjunto. Muitos são os que se contentam com pequenos textos, alguns dos quais fora do seu contexto, donde advém interpretações errôneas que servem tão-somente à nossa vã conveniência.
Todo o evangelho de Marcos é um permanente esforço para responder à pergunta “Quem é Jesus?”. Para tanto, Marcos relata a prática ou a atividade de Jesus até chegarmos à conclusão, além de tudo o que já se disse anteriormente neste ensaio, que ele é o Cristo, o Filho de Deus (Mc 8, 29), que veio para nos salvar. Porém sem jamais, em momento algum, negar o seu ser histórico, a sua judaicidade, a sua pertença ao povo de Israel.
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