Matéria do Jornal Estado de Minas destaca maiores cidades do Noroeste de Minas e as dificuldades na segurança pública, os efeitos colaterais da migração que acompanha o avanço do agronegócio e da mineração.
A expansão do agronegócio e o desenvolvimento econômico experimentado pela Região Noroeste de Minas Gerais, assim como no Norte do Estado, vieram acompanhados de intensa migração de mão de obra, mas também de alto consumo de drogas, tráfico e crimes relacionados a entorpecentes nas cidades maiores, cercadas por vastas áreas rurais. A dinâmica dos crimes violentos, incluindo os homicídios nessas regiões é revelada em mapeamento feito pelo Estado de Minas cruzando dados para analisar a criminalidade nas maiores cidades mineiras.
No Noroeste de Minas, a precariedade de acolhimento da mão de obra imigrante para o agronegócio e mineração, a grande rotatividade de empregos gerando massas de desempregados acomodadas em periferias desestruturadas, aumento do tráfico e necessidade de ampliação do policiamento multiplicam a insegurança nas duas grandes cidades da região – Unaí e Paracatu.
Chama a atenção o caso de Paracatu, município com 94.023 moradores, que registrou 19,1 vítimas de homicídio para grupos de 100 mil pessoas e uma taxa de 230,7 crimes violentos por 100 mil. São números que colocam o município em 19º lugar entre as cidades acima de 50 mil habitantes com mais mortes proporcionais, e o 7º em relação aos crimes violentos em geral. Em contato com comandantes e chefes de policiamento da ativa ou já inativos da região, o coronel Carlos Júnior, especialista em inteligência de Estado e segurança pública, ouviu que o acolhimento inadequado da mão de obra tem criado espaço propício para o crescimento da criminalidade.
“A chegada de população para atender às mesmas demandas de mão de obra para o agronegócio e a mineração têm trazido muitos problemas. Trazem impacto sobre a necessidade de policiamento das periferias abertas para abrigar esse contingente, que têm experimentado um aumento significativo do tráfico, de acordo com as autoridades”, afirma o especialista. “As drogas e o álcool, somadas a um emprego cíclico, com ondas de desemprego, ampliam a violência. E há também a questão dos estupros. Muitas famílias desestruturadas de várias regiões do país também chegam à região com jovens solteiros à procura de trabalho, e muitos deles normalizam os maus-tratos às mulheres, aumentando também a dificuldade de resolução de conflitos sem o componente violento”, avalia o coronel Carlos Júnior.
Os abusos contra pessoas que por condições particulares não podem se defender chegaram a 14,3% do índice de violência nas duas grandes cidades do Noroeste mineiro, contra 8,2% do verificado nos grandes centros urbanos de Minas, de forma geral. Já a extorsão chega a 8% enquanto no restante das cidades mais populosas a média é de 3,3%.
Por outro lado, o especialista em segurança pública vê esforços que têm contido os avanços do crime organizado. “É uma região que tem a sede da Região Militar, tem uma patrulha rural muito boa, entre as melhores de Minas Gerais”, destaca o coronel Carlos Júnior.
Os índices da reportagem foram gerados a partir de levantamento com recortes regionais, feito pela equipe do Estado de Minas com consultoria de analistas de segurança pública. Foram usados dados de 2024 da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre crimes, correlacionados com a demografia dos 72 municípios mineiros com mais de 50 mil habitantes, conforme o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A tipificação da criminalidade
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) considera como crimes violentos os casos de extorsão mediante sequestro, além das formas tentada e consumada de estupro, extorsão, homicídio (baseado em ocorrências e não no número de vítimas), roubo, sequestro e cárcere privado. Entre essas modalidades, os roubos consumados representam 64,1% dos crimes violentos registrados nos municípios com mais de 50 mil habitantes no estado, sendo a infração com maior peso na composição do índice de violência.
Nos dois maiores municípios da Região Noroeste de Minas – Unaí e Paracatu –, a taxa de crimes violentos atinge a marca de 184,8 por grupo de 100 mil pessoas, superando a taxa estadual (157,3/100 mil). Mas o índice de homicídios fica em 11,6 por 100 mil habitantes, abaixo do geral no estado (13,4/100 mil).
A Sejusp considera números totais como padrão para contabilizar ocorrências em cidades com população entre 50 mil e 100 mil pessoas. No Noroeste Mineiro, tanto Paracatu quanto Unaí se encaixam nesse critério. Contudo, Paracatu registrou 217 crimes violentos em 2024, somando mais ocorrências do que 17 cidades com mais de 100 mil habitantes, como Patos de Minas, Pouso Alegre, Sabará, Araguari, Itabira e Teófilo Otoni. Unaí supera sete cidades de mais de 100 mil habitantes. Quanto aos homicídios, com 18 mortos, Paracatu superou 13 municípios com mais de 100 mil habitantes, como Nova Serrana, Pouso Alegre, Araguari, Barbacena e Poços de Caldas.
Mas, diferentemente de outras regiões, o motivo listado para as mortes no Noroeste não é ligado principalmente a questões relacionadas ao crime organizado. Em primeiro lugar estão questões de vingança (50%), seguidas pelo envolvimento com drogas ou tráfico (25%), razões passionais (16,7%), ação de gangues e facções criminosas (8,3%). Entre os crimes onde se determinou qual a relação entre vítima e assassinos, a maioria não se conhecia (57,1%) e 28,6% eram amigos ou conhecidos.
Os bairros concentradores de homicídios estão todos em Paracatu, sendo os mais numerosos o Alto do Açude, com 12,5% das ocorrências, Paracatuzinho (12,5%), Alto do Córrego (6,3%), Amoreiras 2 (6,3%) e Bela Vista (6,3%). Os locais onde mais pessoas foram mortas foram as vias de acesso público (57,1%), as casas (33,3%) e os bares, lanchonetes, restaurantes e outros (4,8%).
As armas de fogo foram os meios de matar mais usados, com 90,5% de emprego nos homicídios, seguidas das armas brancas, como facas, com 9,5%.
Os crimes violentos mais numerosos em Paracatu e Unaí foram o roubo (52,5%), tentativas de assassinato (13,6%), estupros de vulneráveis (9,9%), homicídios (7,2%) e estupros (4,9%).
Os espaços onde mais pessoas foram vítimas da criminalidade violenta nas duas cidades foram em vias de acesso público (65,6%), casas (19,3%) e bares, lanchonetes e restaurantes (3,5%). Os bairros com mais crimes são de Paracatu, sendo os mais numerosos o Paracatuzinho (8,3%), Alto do Açude (4,8%) e Bela Vista (3,9%).
Observação e enfrentamento
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de Minas Gerais afirma que as forças estaduais de segurança acompanham diariamente os índices de criminalidade dos 853 municípios mineiros, “em busca de estratégias integradas que possam reduzir os impactos da ação criminosa em todo o estado, por meio de ações preventivas, repressivas e ostensivas voltadas para a coibição de homicídios e demais crimes violentos”. Segundo a secretaria, destaca-se a atuação do método Igesp (Integração da Gestão em Segurança Pública), que tem como foco o combate a crimes contra o patrimônio. Análises das estatísticas criminais feitas pelo Observatório de Segurança Pública identificam as áreas com índices de criminalidade mais altos, conhecidas como “zonas quentes”.
Sobre o combate aos crimes contra a pessoa, sobretudo os assassinatos, a pasta destaca o trabalho repressivo e preventivo realizado pela Polícia Militar, com as Patrulhas de Prevenção a Homicídios e a Gestão de Desempenho Operacional (GDO). “Elas são iniciativas voltadas para o mapeamento de locais de ação de infratores, que têm tendência para o acontecimento de crimes, com o objetivo de promover uma repressão qualificada dos atos criminosos”, informa a Sejusp.
A secretaria acrescenta que a Polícia Civil de Minas Gerais é responsável pela investigação dos crimes, integrando as forças de segurança com o Ministério Público e o Poder Judiciário. “A criação da Agência Central de Inteligência (ACI) da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública é outra importante iniciativa que veio potencializar e agilizar o compartilhamento de informações para ampliar o cerco ao crime”, afirma a Sejusp. A ACI coordena a inteligência dos órgãos públicos e é a responsável pelo mapeamento de organizações criminosas.
Fonte: Estado de Minas