Paracatu reconhece a importância e o legado dos professores negros em projeto que enaltece os rostos deles em local simbólico
O que representa uma exposição de educadores negros em Paracatu? Sendo a cidade mineira com a maior população quilombola das regiões Noroeste, Alto Paranaíba e Triângulo, e a 10ª em todo o estado, de acordo com o Censo 2022, significa valorizar a historia e o legado do município. Essa é a proposta dos organizadores e dos homenageados do projeto “Muros Invisíveis – Professores Negros”, que ocupa a Praça da Matriz da cidade até 15 de setembro (15/9).
A exposição gratuita apresenta 21 retratos de professores negros da rede pública de ensino de Paracatu feitos pelo fotógrafo Lucas Souza. O objetivo é homenageá-los e tirá-los da invisibilidade ao contar sobre suas trajetórias em um dos pontos mais simbólicos da localidade.
“A exposição está na Praça da Matriz (no Centro histórico) e tem um motivo. A Igreja Matriz só era frequentada por brancos e ao lado da e ao lado da praça está a Câmara dos Vereadores que, antigamente, era a sede do Jockey Club, onde também só entravam pessoas brancas. Era uma estrutura colonial, de construção arquitetônica erguida por mão de obra escravizada em beneficio das pessoas brancas. E essa população foi invisibilizada. Por isso, entendemos que a utilização desse espaço para uma exposição provocativa como essa seria bem interessante” explica Mariana Leão, promotora de Justiça e uma das responsáveis pela realização do evento.
Atualmente, Paracatu tem 13 quilombos – dos quais apenas cinco são reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares: Amaros, Cercado, Machadinho, Pontal e São Domingo – e cerca de 3% de sua população (2.836 pessoas) é quilombola. O município conta com cinco vereadores quilombolas e o maior bairro da cidade, Paracatuzinho, é um bairro quilombola.
Processo emocionante
Os professores homenageados – a maioria mulheres – foram selecionados pelos curadores Rose Bispo e Kassius Kennedy Rose, que também é produtora cultural formada em história e presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), conta que o processo foi, apesar de difícil, emocionante. “A nossa seleção partiu do princípio de entender quem são essas pessoas negras no nosso município, muitos advindos de comunidades quilombolas, que têm uma riqueza tradicional. Muitos que já estão no processo, outros que já se aposentaram e outros que estão chegando. Criamos esse critério para incluir e representar a diversidade e relevância deles na sociedade”, explica.
“São professores que realmente se preocupam com quem é o aluno negro que não tem representatividade dentro do percurso escolar. Sabemos que a escola é o primeiro lugar que temos toda a questão do racismo e do preconceito, então a intenção da nossa participação foi realmente enaltecer esses professores, dar visibilidade”, acrescenta.
E ainda que buscasse enaltecer o trabalho desses profissionais da educação, muitos ainda não aceitaram participar da exposição por não se sentirem confortáveis com a visibilidade. “Acho que isso vai muito além de timidez. São pessoas que passaram tanto tempo acostumadas a estarem à margem, a não receberem nenhum tipo de reconhecimento que, para elas, é difícil estar nesse papel de protagonismo e de destaque”, afirma a promotora Mariana.
Fonte de inspiração
Para a pedagoga quilombola da comunidade de Machadinho e atual coordenadora municipal de educação infantil, Laiza Rodrigues, uma das selecionadas, foi e continua sendo uma honra participar do projeto. “Me sinto extremamente lisonjeada em representar os meus antepassados e abrir caminho para os que virão. A representatividade é muito forte e a ficha ainda não caiu”, declara.
Laiza aponta que a força também parte da história desses professores, que sempre trabalharam muito para inspirar seus alunos. “Nesta semana, encontrei alguns alunos de uma escola em que fui diretora, e eles estavam em êxtase. ‘Nossa, tia Laiza, eu vi sua foto, você estava linda, que bom’. E é neste momento que eu entendo a representatividade e o legado que a gente deixa para essa nova geração, principalmente para os alunos pretos”, diz.
Para Rose Bispo, levar essas histórias ao público também é um meio de combater o racismo na sociedade. “Com o tempo, a gente tem entendido que é preciso contar essas histórias, mostrar realmente a história que o negro vive, o que o negro construiu nesse Brasil. E é importante enaltecer essas pessoas e trazê-las para dentro do processo de referência, mostrando que é possível ser professor, é possível ser médica, é possível ser tudo que a gente quiser”, afirma.
“A gente sabe que o racismo não é algo natural, e é com projetos como esse que a gente tem a oportunidade de desnaturalizar o racismo. É com isso que também vemos a importância de trabalhar temáticas raciais dentro e fora do ambiente escolar. Quero deixar o legado de que a educação é possível independentemente do racismo e do que a sociedade impõe”, acrescenta Laiza.
Matéria veiculada no Jornal Estado de Minas