Da Bahia para Minas, os escravos que de Januária vieram parar em Paracatu

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Com seu passado construído e mantido em grande parte com o emprego de mão de obra escravocrata, a cidade mãe do Noroeste de Minas, Paracatu, teve entre seu povo, escravos provenientes da Província da Bahia, cujos registros disponíveis no Arquivo Público Municipal dão conta desses e outros fatos de grande relevância para a compreensão da formação social local.

Entre os manuscritos dessa natureza, consta uma autuação datada de 1879 junto ao Juízo Municipal da Cidade de Paracatu, em cuja folha de nº 11, a Dona Delmira Mendes Santiago, residente no Termo do Remanso, município de Pilão Arcado na Província da Bahia, interpõe por meio de seu procurador Raymundo Pereira Maia, pedido de devolução das escravas de sua propriedade ao alegar que “tendo remettido para a cidade da Januária as escravas Luíza, Rosa e Salustiana para ahi serem vendidas, aconteceu que Francisco Manoel Beltrão sem autorização da suplicante trouxesse as referidas escravas para este termo [do Paracatu] onde pretendeo negociá-las com Melchior Carneiro de Abreu Castello Branco”.

Na mesma autuação à folha de nº 11, a requerente ainda reclama a devolução dos “ingênuos Antônio e Silvéria, filhos da escrava Luiza deixando de ser comprehendida no mandado a escrava Salustiana, por constar já ter falecido em poder de Melchior de Abreu”, reforça. Esta última teria morrido, conforme exposto na folha 13, em decorrência de uma febre perniciosa, e provavelmente ainda durante a viagem para Paracatu, mais precisamente no Distrito da Catinga (hoje distrito de João Pinheiro), onde ocorrera o encontro para negociação e compra dos escravos em questão.

À folha 14 verso, há indício de que o transporte desses escravos teria sido feito navegando-se pelas águas do Rio Paracatu, como se pode depreender do seguinte trecho: “Ora o conductor [dos escravos] foi Francisco Manoel Beltrão com quem veio o procurador acté o Porto do Burity”, local este onde ocorria o desembarque com destino à cidade de Paracatu. Como afluente do Rio São Francisco que sempre foi, o Rio Paracatu era por certo, a principal via de comunicação para realizar-se comércio entre Paracatu e diversos distritos e municípios de Minas Gerais e da Bahia.

O imbróglio jurídico dos escravos oriundos da Bahia, que de Januária foram trazidos para Paracatu, finalmente se encerraria em 1880 com a devolução daqueles a sua possuidora, Dona Delmira Mendes Santiago, no ato representada por seu procurador, conforme consta do termo de recebimento na folha de nº 41 dos autos, em que se registra “que hoje mandando entregar-lhe os escravos constantes do depósito retro, cujos escravos estando em juízo, e tendo recebido-os, dava plena e geral quitação a este juízo do recebimento dos referidos escravos Luiza, Rosa, Silvéria e Antônio, estes dous últimos ingênuos”.

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
Referência
COMARCA DE PARACATU. Processo de Autuação de uma petição de Melchior de Abreu Castello Branco para ser citado Manoel Beltrão. Cx. I-09. 1879. 42 fls.
UNVIERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Cabras, caboclos, negros e mulatos: escravidão e núcleos familiares no cariri cearense (1850-1884). Disponível em< https://www.redalyc.org/journal/770/77051153001/html/> Acesso em: 13 Jan. 2022




Foto 1 : meramente ilustrativa: Mulher lavando ouro no Córrego Rico em Paracatu em 1938.
Foto 2 : Petição datada de 1879 para devolução dos escravos pertencentes à Dona Delmira Mendes Santiago
Foto 3 : Trecho dos autos em que se aponta a causa mortis de uma das escravas negociadas, certamente a escrava Salustiana. O contratante (Conte.) citado no texto é Melchior Carneiro de Abreu Castello Branco, em cujo poder haviam estado as escravas em questão, inclusive a que falecera.
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