O Observador

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Permanecia sentado a observar. Por vezes, também era observado. Chinelo de dedo nos pés, chapéu no chão, virado ao contrário, sem nada dentro, violão com apenas quatro cordas e o sorriso com poucos dentes no rosto. Nada o deixava tão feliz como aquele som do violão, desafinado, porém, à sua maneira.

Acabara de passar ali, um senhor, no qual um dia ele sonhara muito em ser. Muito bem vestido, com cabelos para trás, fixados com gel, e pasta marrom na mão direita. Da sua boca, cheia de dentes, saíam palavras que o espectador há muito já não professava. No rosto do sujeito, o reflexo do cansaço de tais expressões.

Duas meninas que conversavam sentadas em um banco também o chamara a atenção. Elas diziam, felizes, dos pretendentes, como se vestiam elegantes e qual carro era mais bonito e causava mais impacto.

Ele continuava a tocar o seu instrumento, feliz, a fazer show para uns dois ratos que o espreitavam do bueiro, mostrando-os sua gengiva alegre e seus olhos tranquilos, como quem não espera o futuro e só desfruta o presente.

Depois do show dedicado aos seus dois fãs, viu novamente o magricelo de pouco mais de 18 anos, que passara ali umas 4 ou 5 vezes, carregando algumas caixas. Dessa vez, ao celular, falava pra namorada que brevemente eles se veriam, que era apenas uma questão de tempo. Do bolso, tirou o dinheiro ganhado no dia e entrou numa casa de shows masculino que ficava quatro ou cinco prédios à frente. Novamente, ele pegou seu violão e compôs mais um sucesso para a dupla do seu fã clube.

Passou um senhor com nada menos que 70 anos que ao tentar guardar deixou sua carteira cair no chão. O artista da vida gritou o velho, que o olhou assustado. O músico o entregou o objeto. O veterano conferiu se todo o dinheiro e documentos estavam em ordem e partiu. Isso já lhe rendeu outras graciosas estrofes.

A noite caía e o céu bonito o inspirou outra bela canção, que falava da liberdade, de como ele voava nas asas da vida e que o destino era seu aliado. O frio começou a lhe incomodar os ossos, procurou com o que se agasalhar. Encontrou algumas caixas em meio à rua. Procurou em seu bolso alguns trocados e havia apenas poucas moedas. Fez sua cama e de lá observava os carros chegarem ao restaurante.

A fome cada vez mais o consumia e o frio o apertava. Encolhia-se e dobrava-se em torno de si mesmo, na desesperada tentativa de lhe aquecer e passar a fome. Fazia um extremo esforço para lembrar-se das próprias músicas e esquecer o presente. Procurava apenas com os olhos e sem sucesso os seus companheiros de música.

Perecendo na fome e no frio, já quase dormindo na expectativa de esquecer o  tormento, chegou à conclusão, não pela primeira vez na semana, que realmente deveria ter seguido a outra vida.

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