Mineração e decadência

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A mineração de ouro deixa um rastro de miséria e degradação ambiental. No primeiro ciclo do ouro brasileiro, inúmeros povoados e cidades se formaram e depois entraram em profunda decadência. Isto está no registro da história de Paracatu: quando escasseou o ouro, ficaram os pobres, alguns ricos que se apossaram das terras e uma leva de escravos velhos e doentes, abandonados à própria sorte. Outros ciclos ocorreram, com a introdução de máquinas e do mercúrio, aprofundando a miséria e a degradação ambiental.

Porém, caro leitor, estamos enfrentando o ciclo derradeiro, o mais terrível de todos, por conta da introdução de tecnologias de beneficiamento do minério com o uso de reagentes químicos nocivos, os quais liberam o arsênio e metais tóxicos contidos nas rochas, contaminando o ambiente para sempre e provocando danos irreversíveis à saúde humana. A destruição da paisagem, contaminação das águas, destruição de nascentes, o “inchaço” da cidade que trouxe um aumento absurdo das mazelas sociais (roubos, assaltos, agressões, prostituição de menores, a explosão de nascimentos de crianças sem pais…), e a poeira branca venenosa constituem, no seu conjunto, o efeito doloroso da expansão da mina sobre a cidade de Paracatu.

Ainda assim, por que a grande maioria da população não percebe os riscos e as agressões ambientais? Será que a demora se deve à legislação deficiente, que coloca o peso da prova dos prejuízos sobre os usuários ou nos órgãos reguladores governamentais, e não sobre os produtores? Certamente não se deve às incertezas científicas, porque é vasta a literatura científica sobre os perigos e os efeitos do cianureto, do arsênio e dos metais pesados para a saúde.

Acredito que há duas respostas para a não-percepção do risco. Primeiro, é que a grande maioria da população, pobre e sem acesso a informação, ignora o que acontece. Uma parte da minoria consciente dos problemas espera obter vantagens ou se locupleta na situação; raros são os que afrontam o problema. Segundo, isto é uma relação de poder, em que a mineradora e seus partidários têm a capacidade de impor uma decisão sobre os outros, para se apoderar dos recursos da terra, instalar empreendimento que contamina o meio ambiente, destruir e contaminar as fontes de água e ocupar espaços ambientais para despejar resíduos tóxicos; ainda mais, detêm poder junto aos poderes do Estado, nos níveis municipal, estadual e federal, para impor sua vontade sob cobertura legal.

Para as futuras gerações, porém, será muito tarde para decidir. Quando se trata de meio ambiente, as decisões do futuro são tomadas no presente.

Hoje uma imagem me assustou, porque antevi a semelhança de um enorme buraco que a mineradora Kinross está escavando junto à cidade de Paracatu, na área onde ainda corre o filete de água do Córrego Rico, ao lado do Arena Show.

A imagem que me chocou é da Serra do Gongo Soco. Eu a conheci nos anos 80, quando fazia pesquisa mineral pela Mineração Morro Velho, pertencente à Anglo Gold, transnacional. Naquela época a serra era coberta por uma densa mata. Veja, caro leitor, no que a Serra do Gongo Soco se transformou:

Alguém vai me dizer que estou exagerando nesta antevisão apocalíptica, comparando a imagem acima com a área de lavra da mineradora Kinross. Mas para mim, que andei pela serra que a Vale do Rio Doce depois transformou em buraco, minha antevisão não é mera fantasia.

Para fundamentar esta afirmação tirei, hoje, uma foto da área de lavra da mineradora Kinross,com vista da estrada que segue para o povoado São Domingos. Veja a foto abaixo, faça uma comparação tendo em conta que o buraco da Kinross ainda vai se aprofundar e pasme com a semelhança, caro leitor!

Vou concluir com um poema, porque se diz que a poesia alivia os ares. Será?. Acho que não, nem sempre, mas ela dá o que pensar, se dá!

grama por grama
oitava por oitava
quilate por quilate

foi o que as Geraes
pagaram por suas riquezas
aos vorazes colonizadores.

hoje, muitos séculos depois,
Minas continua pagando
com a mesma moeda.

serra por serra
morro por morro
vale por vale.

do Morro do Gongo Soco surge
um enorme buraco de poeira.
do Pico do Itabirito aparece
um espantalho despido.
do Pico do Cauê,
o poeta itabirano
disse que restou
apenas tristeza e pó.


Aviso aos navegantes: o poema é de Mauro Lúcio de Paula, blogueiro (http://valedaspalavras.blogspot.com/).
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