Fugindo de si

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Na vida todos temos oportunidades de buscar o que mais queremos. Que dure a eternidade ou poucos instantes, mas que sempre valha à pena correr o risco de ser feliz e almejar um esplêndido sorriso. Um dia desses, um jovem corria por uma planície verde, com algumas flores e árvores ao redor, daquelas sibipirunas fantásticas que permeiam o centro de Uberlândia. Ele havia passado por momentos difíceis e carregava consigo uma dor que havia prometido curar.

Foi e é complicado carregar tudo isso sozinho, mas a cada passo dado, os pensamentos iam formando uma história e a solução parecia mais palpável que antes. Os pingos começaram a cair do céu e como se lavasse sua alma, o jovem começou a andar e a sentir cada gota de água que molhava seu rosto. Então sorriu, solto, sem se preocupar se parecia bobo, se alguém estava reparando, se seus pés sujavam de lama. O “se” não importava, somente a sensação de estar livre, de poder recomeçar.

A natureza o abraçava como que uma mãe abraça o filho. A chuva contornava a silhueta esguia, de roupas claras e pele cor do pecado. Dos cabelos escorriam fios molhados e sonhos perdidos. Dos olhos, uma cascata de lágrimas felizes se enroscavam na chuva se tornando uma coisa só. O rastro na lama mostrava um caminho sem volta, longe muito longe, de um lugar que não voltaria.

Por um instante parou, olhou para toda aquela natureza que o rodeava e pensou: “E se ela tivesse aqui?”. Aquilo lhe estremeceu, arrepiou-se ao sentir o que parecia um beijo no rosto. Será que ela havia lhe escutado? Não, isso seria insensato de mais. Ele sempre fora tão cético, não iria se deixar levar pelas emoções. Era a natureza, a nostalgia, a saudade que o deixara mais sensível.

Sensibilidade que se tornara o tendão de Aquiles daquele jovem que nem imaginava que, abrindo o coração para os devaneios que viveu, pudesse guardar profunda amargura em suas entranhas. A visão do jovem correndo não era senão um sonho, um desejo, a vontade de largar tudo e fugir para um novo horizonte, onde pudesse recomeçar sem perfeccionismos, sem o fardo de uma existência cambaleante entre o correto e o certo. Nos olhos nus esboçavam um temor. Naquela vidraça da alma, com cores em tons amarelados e verdes, mostravam profundas cicatrizes que teimavam em abrir quando sentiu o tenebroso beijo.

Tentando deixar os pensamentos de lado, correu novamente, entretanto, parecia que as lembranças corriam mais rápido que ele, mostrando que fugir não era uma solução definitiva. Mas como enfrentar, se a cada vez que cogitava ter coragem, toda aquela dor rasgava seu peito como se quisesse arrancar seu coração? Por que não arrancar um coração que parece não ter mais tanta serventia?

Um coração rubro e pesado como os metais das grandes Minas Gerais; valoroso, mas fraco o que é bem diferente dos metais destas terras. Aquele pedaço de carne havia enferrujado pelos males da vida e o jovem percebia isso. A fuga de sua realidade começou a partir do momento que se permitiu corroer por todas as frustrações vividas num passado que teima em correr com ele.

Mas ele fugia, fugia como se não houvesse amanhã. Fugia como se tudo aquilo pudesse desaparecer na linha do horizonte, diante das cores turvas da despedida do Sol. A chuva o abraçava e fazia os passos, sob a lama, mais arrastados. O peito ofegante, os olhos entreabertos como se quisessem desviar do suor e da chuva. O sorriso já não era sorriso e a preocupação tomava conta, até se viu diante de uma rosa.

Aquela pequena amostra de vida, lhe fez viajar até a casa de sua mãe. Começou a sentir o cheiro da roseira que aquela senhorinha cuidava com tanto amor, como se eles fossem qualquer um de seus três filhos. Se sentiu seguro ou apenas momentaneamente aliviado. Havia fugido tanto de tudo e de todos que mal se dera conta do quão distante se fez daquele ser meigo e sem julgamentos. Seria ali sua solução?

A rosa lhe mostrou que fugia de fato dele mesmo. Das amarguras criadas, dos momentos perdidos, das vidas que se foram e pessoas que se tornaram eternas despedidas. Ele se viu diante de tudo aquilo que havia perdido e que de repente, tudo aquilo tinha uma beleza natural, singela. Algo que pulava aos olhos e o fazia querer esboçar um sorriso. Sorriso perdido, desses que não se vê todo dia, aquele com cheiro de infância. O jovem, de joelhos, apreciava aquela criação como se fosse a última. A chuva continuava sua rotina, ele se deitou ao lado da rosa, a lama tocava-lhe o rosto e pouco importava sujar o restante do corpo. Abraçou as pernas e dormiu, para nunca mais acordar.

Texto escrito em parceria com o jornalista Rafael Ferreira

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