Minha querida Mantiqueira

whatsapp-white sharing buttontelegram-white sharing buttonfacebook-white sharing buttontwitter-white sharing button

Desde que eu era criança, a Serra da Mantiqueira me fascina. Nasci na Zona da Mata de Minas Gerais, porção norte da Mantiqueira, na base de uma montanha conhecida como Mutuca. Minha vida, sonhos e emoções ainda hoje são dominados por aqueles picos agrestes, a silhueta verde cinza das elevações recortada sobre o céu azul, despenhadeiros que lembravam a morte dos incautos, cachoeiras, sumidouros e socavões. Na escola humilde onde estudei até a quarta série a gente tinha que decorar os topônimos dos maiores acidentes geográficos: Serra Geral, Pedra da Mina, Pico das Agulhas Negras, Serra do Itatiaia, Serra de Ouro Preto etc.

Meus avós paternos e alguns tios moravam na Mutuca, onde cultivavam pequeno cafezal e produziam para consumo próprio arroz, feijão, milho, legumes, porcos, galinhas e rapadura. Era assim, naquela época tinha-se que produzir o sustento; o café e o fumo eram as moedas de troca. A minha família raramente ia até lá, pois era difícil subir a serra com a criançada. Porém, à medida que eu crescia, passei a subir a serra com mais frequência, acompanhado por um dos irmãos ou mesmo sozinho. A escalada era forte, mas as minhas pernas pareciam de cabrito montês. No meio da escalada, a gente parava para um fôlego e admirar a paisagem maravilhosa do terreno lá em baixo, a pequena vila do Córrego Preto e a vista que se perdia no horizonte. Lá no sítio, o que eu mais apreciava era chupar as sementinhas maduras do café, comer rapadura e tomar água geladinha e cristalina que corria de uma bica.

Tenho boas lembranças desses passeios, embora eu os fizesse sempre com temor, pois se falava de alguns lugares mal-assombrados naquelas bandas. E havia precipícios de onde um ou outro se jogara para a morte. Por isso, sempre que o medo me arrepiava, eu me benzia mil vezes com o sinal-da-cruz e estugava os passos para deixar o capeta para trás.

O que eu não gostava era dormir lá no sítio. O sol se escondia muito cedo, atrás de um paredão, e logo o ar se esfriava. Antes que a noite caísse, os mosquitos borrachudos vinham vorazes atrás de sangue, sucedidos ao anoitecer pelos pernilongos e pulgas. As cobertas eram escassas e curtas, de maneira que a gente ficava “pedalando” a noite inteira, sentindo o frio gelar os ossos. Assim, se eu pudesse escolher, minha passagem era curta e, ante os protestos dos parentes, descia a serra, mais rápido que o sol poente.

XMCred Soluções Financeiras
whatsapp-white sharing buttontelegram-white sharing buttonfacebook-white sharing buttontwitter-white sharing button