A FARMÁCIA DE NAZRAT BEN-ARY

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É natural que todo doente careça de cura. Mais natural ainda – pelo menos é isso o que se espera – é que o médico, ao diagnosticar uma doença, indique ao paciente um remédio (phármakon) capaz de curar tal moléstia. A palavra remédio, embora hoje seja muito clara para todos nós, não o era para a Grécia Antiga. Derrida nos dirá que, “farmacéia (pharmákeia) é também um nome comum que significa a administração do phármakon, da droga: do remédio e/ou do veneno.” Ou seja, para o grego, o que distinguia o remédio do veneno era a dose. Mas, deixemos de lado Jacques Derrida, voltemos nossa atenção para a vida diária e, mais ainda, para o problema fulcral da nossa sociedade: a degeneração da cultura nacional. Haverá remédio para curar a sociedade? Há. E ele é acessível a todos. Basta querer.

Você é do tipo de pessoa que gosta de ouvir esses grupos de pagode, alguns dos quais felizmente nem existem mais? Veja se conhece e se gosta de pelo menos um da lista que segue: Art Popular, Arte Final, Só prá Contrariar, Grupo Revelação, Grupo Molejo, Os Mulekes, Razão Brasileira, Negritude Júnior, Só Preto sem Preconceito, Bokaloca, Katinguelê. Gosta? Então o seu caso é grave. Para você que ouve tais grupos, a cura não é fácil. São necessárias, durante seis meses pelo menos, oito doses diárias de samba. Mas, não é qualquer samba. Durante a primeira semana, para desintoxicar, recomendo três doses de Cartola de manhã, mais três de Nelson Cavaquinho à tarde. Tome, antes de dormir, duas doses de Clementina de Jesus, isso vai ajudar no processo de cura. Na segunda semana, prescrevo Noel Rosa, João Nogueira e Zé Keti pela manhã; à tarde, Dona Ivone Lara, Martinho da Vila e Adoniran Barbosa; à noite, já deitado, vai lhe cair bem Teresa Cristina: essa menina é um santo remédio para curar qualquer um do mau gosto. Durante a terceira semana, quando já estiver bem familiarizado e não houver riscos de efeitos colaterais, a dica é Chico Buarque, Paulinho da Viola e Clara Nunes de manhã; Candeia, Nelson Sargento e Elton Medeiros à tarde; tome, antes de deitar, Beth Carvalho e Chico da Silva. A quarta semana, já refeito, acorde com Jair Rodrigues – ele é ótimo para quem quer ir alegre para o trabalho –, um pouco de Roberto Ribeiro e Dicró; quem também vai ser-lhe muito útil nesse período é Bezerra e Moreira da Silva – calma, não se trata de dupla sertaneja, apenas têm o mesmo sobrenome –, além de Zé Catimba, claro; à noite, não vá para a cama sem Dorival Caymmi. Durante os cinco meses seguintes, além de continuar ouvindo todos esses mestres da música brasileira, prescrevo outros nomes para complementar o tratamento: Diogo Nogueira, Dudu Nobre, Zeca Pagodinho, Carlos Cachaça, João da Baiana, Originais do Samba, Valter Alfaiate e outros tantos.

Gosta de música sertaneja? Lamento informar, mas o seu caso é muito grave, quase não tem cura. Essa doença, digo, essa pandemia já causou tantos males à cultura brasileira que só mesmo desenvolvendo uma vacina para proteger a população. A cura completa é, de fato, muito difícil e, quase sempre, deixa sequelas. Para começar o tratamento, só mesmo tomando doses fortes de Tião Carreiro e Pardinho, Zé Fortuna e Pitangueira, Chico Rey e Paraná, Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho, Milionário e José Rico, Pedro Bento e Zé da Estrada, Mato Grosso e Mathias, Cascatinha e Inhana, Alvarenga e Ranchinho, Inezita Barroso, Passoca, Rolando Boldrin, Aparício Ribeiro e Renato Teixeira. Outro santo remédio é ouvir viola caipira. Escute, então, Pereira da Viola, Renato Andrade, Chico Lobo, Almir Sater e Roberto Corrêa. Se com essa relação de remédio, o paciente não se sentir uma nova pessoa, distribuo gratuitamente todo o estoque que tenho aqui nas prateleiras.

Há casos quase sem cura. Mas, felizmente, a medicina avança a passos largos e a indústria farmacêutica tem de acompanhar esse avanço. Foi descoberta recentemente a cura para quem gosta de música brega de má qualidade. Temos aqui na Farmácia de Nazrat Bem-Ary uma relação de cantores bregas, sem contra-indicação, que é tiro e queda para quem sofre desse mal. São os melhores do mercado e, muito embora alguns estejam fora de catálogo, ainda assim podem ser encontrados pela internet em qualquer site do ramo. Doses homeopáticas de Odair José, Amado Batista, Evaldo Braga, Nalva Aguiar, Diana, Reginaldo Rossi, Roberta Miranda, Agnaldo Timóteo, Roberto Müller, Vando, Orlando Dias, Ronaldo Adriano, Almir Rogério e Valdick Soriano curam qualquer enfermidade brega. Se esses não curarem, entrega pra Deus, o caso está perdido.

Mas, advirto a todos, não é apenas para essas doenças que temos remédios em nossa farmácia. Aqui há remédio para tudo. Não é prudente, no entanto, já de uma vez relacionar tantas doenças e seus respectivos meios curativos. Por isso aguardem que nova listagem será divulgada para o bem da cultura nacional.
XMCred Soluções Financeiras
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