A INTERNET E A INVISIBILIDADE DO EU

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O advento da internet, além de haver democratizado e universalizado a informação, possibilitou, também, a invisibilidade do Eu. Chamo de invisibilidade do Eu o ocultar-se sob um nickname ou e-mail despersonalizados, sem ligação alguma com o seu verdadeiro dono. A internet criou, também, o que os estudiosos do assunto chamam de “second life”, ou segunda vida, ou ainda vida paralela em bom português. Mas, não é disso que quero falar propriamente.

Também não vou escrever sobre os inúmeros casos de pedofilia, nem dos aliciadores de menores que vemos nos noticiários da TV, que se escondem por trás da internet para melhor praticarem seus crimes. Não quero tratar aqui dessas patologias. Quero falar de coisas mais amenas, e que são proporcionadas pela rede. Os fóruns de debates, por exemplo, são um caso à parte, assim como são também os espaços reservados para os leitores opinarem sobre matérias jornalísticas ou textos de opinião. Muitos aproveitam desses espaços para dirigir todo o tipo de impropérios imagináveis aos governantes. Especialmente aos governantes. Não que a classe política não mereça nossas críticas. Mas, em vez de as pessoas se organizarem e terem uma participação mais efetiva no processo político, simplesmente preferem agir isoladamente, ainda que para isso tenham de falar mal do presidente, da mulher do presidente, do vizinho do amigo do primo do sobrinho do presidente. Até parece que muitos se comprazem em votar errado, para ter alguém para xingar durante pelo menos quatro anos.

De maneira que fico admirado como alguns internautas são corajosos e ousados em criticar. Basta abrir os sites de notícias, e lá estão eles: denunciam, esbravejam, opinam sobre política, governança, saúde pública, propõem leis, apresentam soluções mirabolantes para problemas insolúveis, destituem e empossam governos. Mas, quando tentamos estabelecer algum contato através dos e-mails que eles mesmos fornecem, percebemos que tudo não passa de um engodo, que e-mail que nada!, esses combativos internautas estão na verdade escondidos, vivendo uma “second life”, ocultos sob a invisibilidade proporcionada pela internet. Poucos são aqueles que se identificam, ou que pelo menos oferecem endereços eletrônicos válidos capazes de receber correspondência. É sempre muito cômodo, penso eu, lançar a pedra quando se está oculto no meio da multidão, enquanto quem a recebeu sangra à vista de todos sem poder sequer olhar olho no olho de quem desferiu a pedrada.

Porém, há um aspecto positivo nisso tudo: o fato de os sem-voz poderem, enfim, manifestar a sua opinião, sem correrem o risco da crítica pública, da execração ou da perseguição por parte de quem quer que seja. Essa é a razão principal pela qual os poucos regimes totalitários que ainda restam – China e Coréia do Norte, dentre outros – têm tanta dificuldade em lidar com o universo livre da internet. Porque desse universo pode fazer parte quem quiser, desde que tenha um computador conectado à rede. Ainda que seja possível – e é – a identificação através do IP (Internet Protocol), ela não é acessível a todos, o que garante a privacidade e o anonimato do internauta.

Pobre de nós, colunistas, que geralmente disponibilizamos e-mail, foto e nome para que nossos leitores saibam que estão acessando uma fonte segura de informação. E o principal: tudo de verdade. Ruim é quando somos achincalhados, xingados ou ofendidos por internautas anônimos que, muitas vezes, nem sequer leram nossos textos, mas ficaram apenas no título ou no primeiro parágrafo. E o mais grave: confundem autor e obra, misturando ideias com vida pessoal. Esses leitores invisíveis em vez de contribuírem para o debate expondo os seus pontos de vista ou mesmo apontando as possíveis contradições ou incoerências das nossas ideias, partem para o ataque pessoal, ofendendo colunistas e jornalistas no que eles têm de mais precioso: a dignidade e a liberdade de expressão.

Ainda temos um longo caminho a percorrer até atingirmos o nível de sociedade desejada. Nessa sociedade todos têm vez e voz, mas, terão também nome e endereço para que aquele que se sentir ofendido possa se defender. É assim que acontece num mundo civilizado. E precisamos, outrossim, estar atentos para centrar nossa crítica e focar a discussão no campo das ideias, deixando de lado nossas desavenças pessoais. Isto porque o ataque pessoal empobrece o debate e tira a atenção do leitor do foco principal para assuntos periféricos ou marginais – que estão à margem, entenda-se bem – e que nem sempre são relevantes.

Não podemos perder de vista, por fim, que muito embora a internet nos conduza a uma “second life”, existe uma vida real, um mundo real com pessoas reais e que tornar invisível o nosso Eu para podermos expressar a nossa mais sincera opinião, não significa que tenhamos também o direito de atacar quem quer que seja escondendo-nos sob a face oculta de um nickname.
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