ENSAIO EXTEMPORÂNEO SOBRE A FEIÚRA II – por Tarzan Leão

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Mas, afinal, o que é ser feio? A partir de quais pressupostos podemos traçar uma fenomenologia da feiúra que seja esteticamente convincente e bela? É possível fugir à ditadura da beleza, hoje atrelada ao capitalismo no que ele tem de mais nocivo? Sobre a feiúra, há muito mais perguntas do que respostas. Noutras palavras, poucos são aqueles que se dedicaram ao tema, muito embora haja mais feios do que belos no mundo – pelo menos é essa a impressão que temos. Umas poucas palavras de Sartre, que ainda muito jovem se percebeu feio; um longo tratado de Umberto Eco – A história da feiúra – publicado há alguns anos.

Nos anos de 1980, quando eu morava na Casa do Estudante de Caicó, o tema já me inquietava. E tempo era o que não nos faltava. Os debates varavam a madrugada. Havia, em nosso meio, ardorosos defensores do belo como meio inequívoco para o sucesso, e os exemplos não eram poucos: artistas hollywoodianos e globais eram citados às mancheias, como provas irrefutáveis de que aqueles que nascem bonitos têm tudo para serem vencedores e alcançarem o sucesso fácil. Por mais que os feios, de um lado, argumentassem contrariamente a essa tese, era evidente que ela fazia sentido. Realmente ser bonito é muito bom.

É sabido que, para a filosofia, as perguntas são mais importantes do que as respostas. Assim, perguntávamos já naquele tempo, que lugar então ocuparia a feiúra dentro da história do pensamento. Até que um belo dia, iluminado como que pela luz divina – seria de alguma deusa do Olimpo? Há quem duvide, e por duas razões evidentes: a primeira, é que não existem deuses no Olimpo, a segunda é que, se existissem da maneira como nos conta a mitologia, muito provavelmente eles, os deuses, tomariam o partido dos belos, deixando os feios à própria sorte, pois estamos falando da Grécia Clássica, onde o conceito de Belo reinava absoluto. Mas, vamos à pergunta: os feios são mais sábios do que os belos? – me perguntou um dos meus inquiridores. Não necessariamente, mas tendem a ser, foi o que respondi. A gargalhada foi geral. Ora, sendo eu feio, não poderia dar outra resposta senão essa. E argumentei:

O mito de Narciso é exemplar. Perdido na própria imagem, Narciso sucumbe apaixonado por si mesmo. Esse é o maior risco que correm os belos. Vivem da superficialidade da imagem, do aparente, do que salta aos olhos, esquecendo-se muitas vezes de cultivar uma vida interior. Perdem horas, dias, semanas e meses malhando nas academias, fazendo todo tipo de ginástica, num culto irracional ao próprio corpo. Enquanto isso, o cérebro diminui. Não bastasse isso, adoram festas. E saem. E se exibem. E mostram as belas roupas, os contornos do corpo.

Por outro lado, não encontrando espaço nesse universo dominado pelo Belo, os feios ficam reclusos, pensam, estudam, leem, meditam. Parte dessa fuga mundi não tem nada de filosófica, senão para esconder-se dos bonitos. Os feios percebem desde cedo que terão de mostrar muita competência e conhecimento se quiserem conquistar um lugar ao sol. Como também não conquistarão mulheres através de um simples e furtivo olhar, como frequentemente acontece às pessoas belas, mas por meio da audição. Por isso, aprimoram o discurso, modulam a fala, se especializam na arte da sedução. Uns aprendem a tocar um instrumento, outros a cantar, e os mais afortunados, até fazem versos. Podem, embora feios, se transformarem em verdadeiros donjuans.

Feio não é bonito, diz Carlinhos Lyra em sua bela canção. Mas, pode ser até divertido, emendo de cá. O principal é perceber-se feio, horrivelmente feio. Depois, partir para a conquista, em se tratando de mulheres. Tentar seduzir todas as mulheres do mundo é consequência inevitável. Só que tem um detalhe: essa conquista pode levar mais tempo do que o esperado, pois a experiência mostra que o processo auditivo pode ser demorado, longevo mesmo. Esse negócio de paixão à primeira vista não pega nem um feio de surpresa. A paixão acontece ao terceiro ou quarto ouvido. Às vezes demora-se seis meses, um ano até numa conquista. É um trabalho de mestre. De artesão da palavra. Isso vale para tudo, inclusive para o mundo do trabalho. A grande arte consiste em desviar o olhar das pessoas que nos miram para o que espertamente denominamos de mundo interior. Convencê-las de que o Belo mesmo, não está na aparência, mas que ele habita o coração das pessoas. Feito isso, tudo estará resolvido. Se você é feio, faça o teste, e logo perceberá que ele é infalível.
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