Aparecida

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Muitas vezes acontece de fracassarmos na realização de objetivos imediatos e, nessa busca, os acontecimentos nos levam a caminhos inusitados, como se houvesse um roteiro preparado para que o trilhássemos. Esta é uma idéia que me acorre quando penso na história dos pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves, que num dia de outubro de 1717 lançavam sua rede de pesca no Rio Paraíba do Sul. Muitas tentativas e nenhum peixe, a pescaria era um fracasso. Mas, eis que João Alves lançou a rede e nas suas malhas vem presa uma pequena imagem, um corpo sem a cabeça. Lançada novamente, a rede apanhou a cabeça da imagem, identificada como Nossa Senhora da Conceição. O relato histórico assinala que, daí em diante, a pesca foi abundante, mas isto não importa, porque o que eles realmente pescaram transcendeu para muito além dos seus objetivos.

É provável que aquela imagem tenha sido descartada por alguém, justamente porque ela havia se partido, assim como fazemos com os objetos que a nosso juizo perderam o seu valor.

Porém, os humildes pescadores não identificaram um objeto rejeitado, mas um sinal divino e a manifestação de um milagre. Naquele momento, eles poderiam tê-lo devolvido às águas, mas as suas mãos o seguraram com a força da fé: ali estava a imagem da mãe de Jesus, com todo o poder espiritual que ela simboliza para os crentes, que se entregava partida, como se pedisse proteção e carinho. (Ao lado, uma foto da imagem, feita em 1924.)

Eis a manifestação do poder da fé: justamente na hora em que parece estarmos fracassando em nossos objetivos é quando mais dele precisamos, justamente para descobrir o significado transcedental de nossas vidas, perceber, enxergar além dos objetivos imediatos que nos toldam a visão.

A história que se passou depois é, de maneira geral, conhecida do povo brasileiro: relatos de milagre, de devoção e do carinho especial que sentimos por esta santa brasileira. Sim, é como se a mãe de Jesus tivesse renascido em nossas águas, cidadã brasileira, e assumido a proteção do Brasil. De tal modo se tornou brasileira que adquiriu uma cor morena, acanelada, resultado da picumã de velas e candeeiros dos devotos que oravam a seus pés. E existe também a história que poucos conhecem: a imagem simples foi coroada de ouro pela Princesa Isabel, vestida com um manto luxuoso com o advento da República e destruída por um fanático de uma seita religiosa hostil, em 1978. O que se tem hoje é resultado de um trabalho de recuperação de uma artista plástica.

Há muito tempo eu desejava conhecer o Santuário de Aparecida, não porque acho importante estar diante de uma imagem, mas para estar presente naquele local de peregrinação, que fascina e atrai tanta gente em busca de esperança e consolo. Um lugar assim não é um lugar qualquer! Então, como brasileiro, cristão, no dizer do compositor Renato Teixeira, “como não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar”.

A imponência da Basílica realmente impressiona, com sua torre de 100 m e uma cúpula de 70 m de altura. Se considerarmos que ela comporta 75 mil pessoas (às vezes este número é superado!), a altura não é exagerada, porque o calor produzido pela multidão leva algumas pessoas ao desmaio.

Visitei o Santuário de Aparecida neste Natal, junto com minha filha Helga e o Juan, seu marido, porque sabia que seria uma visita tranquila.
É um espaço bonito, mas despojado; não há luxos ou ostentações, tudo muito simples, sóbrio e moderno. Mas o que interessa a todo visitante é exatamente estar de frente à imagem que inflama o imaginário e a fé dos brasileiros. Percorri as quatro naves que formam o corpo da Basílica, dispostas como uma cruz grega em torno da cúpula central. Um enorme cruxifixo pende no ar, no centro exato da estrutura, sustentado por cabos presos na cúpula. De maneira diferente do comum das igrejas católicas, não há imagens de santos ao longo das paredes. Por fim, meu olhar foi atraído por um pequeno círculo dourado ao fundo e, somente quando estava bem próximo, pude perceber que se tratava da imagem de N. S. Aparecida, colocada em um pavimento superior.

O contraste entre a Basílica e a imagem de devoção é enorme: enquanto a cúpula se ergue a 70 m, a imagem tem apenas 40 cm de altura. Colocada em um nicho na parede, protegido por vidro especial, é o contraste entre o minúsculo e o colossal.
Nos poucos minutos em que lá estive, à parte meu agradecimento e pedido de proteção, passou no meu pensamento o significado e a importância da mãe de Jesus para a cristandade. Uma mulher humilde que soube cumprir a enorme responsabilidade a ela destinada e que passou por uma terrível prova e um sofrimento indescritível: ver seu filho torturado e morto de maneira ignominiosa e ainda assim bendizer a Deus. Um espírito iluminado, que compreende nossas dores, mesmo que sejam incomparavelmente menores do que aquelas que suportou neste mundo. Nas minhas conjecturas há um simbolismo nisto tudo: a imagem colocada ao fundo, seu tamanho minúsculo, sua cor morena, seu resgate das águas, sua sobrevivência ao atentado e a serena humildade que dela irradia.

Nossa Senhora Aparecida é mesmo uma Santa Brasileira!

(Por uma Graça alcançada, Nossa Senhora, Mãe de Jesus, aceita o meu preito de gratidão!)
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