A grande singularidade do tempo consiste no fato de que o tempo não é mensurável. Pensar o tempo, ou mesmo a História, apenas enquanto algo linear, cronológico, é absolutamente insensato. É querer aprisionar dentro de um simples conceito algo que está muito além da própria razão.
Os gregos conceituavam o tempo de duas formas: chronos e kairos. Enquanto chronos se refere ao tempo cronológico, ou sequencial, que pode ser medido (como por exemplo, dividimos as eras em anos, os anos em meses, os meses em semanas, as semanas em dias, os dias em horas e assim sucessivamente), kairos se refere a um momento indeterminado no tempo, em que algo especial acontece (em teologia, é "o tempo de Deus"). Em termos práticos, podemos dizer o seguinte: uma hora é sempre uma hora (tempo cronológico). Mas, há uma grande diferença em ficar esperando a pessoa amada durante uma hora e permanecer com a mesma pessoa durante o mesmo espaço de tempo (tempo kairológico). São experiências absolutamente distintas. Eu diria até opostas. Dependendo da situação, três minutos pode parecer uma eternidade e uma noite chega a passar sem nos darmos conta. Porque o tempo vai acontecer sempre na esfera do estritamente pessoal. É o que experimentam duas torcidas. Imagine o Mineirão cheio, final do Campeonato Mineiro, Atlético e Cruzeiro se enfrentando. Aos 20min do primeiro tempo o Galo faz um gol, 10min depois outro gol. A partir daí é só sofrimento para as duas torcidas. De um lado, atleticanos querem que o jogo termine logo, do outro, cruzeirenses querem que demore. E as torcidas olham para o placar, conferem o relógio, gritam para o árbitro, sofrem, roem as unhas. Para uns, o tempo não passa, para outros, corre rápido até demais.
Outra forma de ver o tempo é enquanto passado, presente e futuro – ou sequencial. Ora, pensando assim, ainda fica mais difícil conceituar o tempo. Vejamos. A respeito do futuro há pouco o que falar, pois simplesmente o futuro não existe. O futuro, filosoficamente falando, está tão-somente na esfera do vir-a-ser e dele, nada conhecemos. Não sabemos, por exemplo, se existirá um amanhã, pelo menos para mim, que agora escrevo, e para você, que nesse instante me lê. De modo que discutir o futuro é como conjeturar a respeito do sexo dos anjos. E logo que o futuro acontece, ele já não é mais futuro, ele é o presente, outra esfera de tempo. Porém, à medida que o futuro se faz presente, ele se transforma em passado e, em sendo pretérito, também já não existe mais. Ou seja, apenas o presente existe e assim mesmo durante um milionésimo de tempo, e quase sempre o desperdiçamos.
Ninguém consegue aprisionar o Tempo. Arrisco-me a dizer que é no Tempo que a presença de Deus se torna mais visível. Perscrutar o Tempo é a forma mais sutil de se entender a Deus. Uma chave de leitura para esta ideia está na vocação de Moisés. Quando Deus o chama para libertar os hebreus das mãos do faraó, Moisés disse a Deus: “Eis que quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: ‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’ – eles dirão para mim: ‘Qual é o Seu Nome?’ – e o que direi a eles? E Deus disse a Moisés: ‘Serei o que serei.’ E disse: ‘Assim dirás aos filhos de Israel: SEREI enviou-me a vós’.” Aqui, Deus Se coloca como o próprio Senhor do Tempo. E é justamente isso que significa o tetragrama YHWH, que designa o nome de Deus: SEREI! Para quem não está familiarizado com a língua hebraica, é interessante saber que o tetragrama YHWH está associado à noção de tempo, uma vez que contém o radical do verbo existir ou do verbo Ser.
Refletir sobre o tempo é pensar a nossa própria transitoriedade, a nossa própria “impermanência”. No dizer de Nilton Bonder, a noção de tempo “é o instrumento maior do pensamento e, ao mesmo tempo, seu maior obstáculo. Sua utilidade é tão grande quanto a limitação que nos impõe. Nossa mais sólida referência e também nossa maior ignorância”. Devemos ser/estar conscientes que o tempo não volta. Sendo assim, é urgente viver como se fosse o último dia e trabalhar no Tempo de Deus.