Vivemos em um mundo que gravita em torno do Mercado, esse novo deus ao qual devemos todos servir, cultuar e oferecer sacrifícios. Principalmente oferecer sacrifícios. Isso, porque, o Mercado é onipresente, onisciente e onipotente. E, qual o Deus veterotestamentário, se zanga facilmente. Mais ainda: devora os seus filhos semelhante a Cronos. Por isso, todo o cuidado é pouco.
Há muito tempo os economistas se apropriaram do universo religioso para explicar o Mercado e se constituíram, eles mesmos, nos neo-sacerdotes conhecedores e manipuladores desse novo sagrado. Por isso os meios de comunicação social estão muito mais interessados no que vai dizer o ministro da economia, do que, por exemplo, o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Houve, nos últimos anos, uma inversão de valores de modo que o Ter se sobrepôs ao Ser. Nada mais antigo ou fora de moda do que falar em espiritualidade, ociosidade, gratuidade ou algo que o valha. Passar horas e horas em oração é, para o pensamento moderno, uma perda de tempo. Tempo bom e útil é aquele dedicado ao trabalho, ao labor. Porque o que importa é a acumulação de capital, é trabalhar diuturnamente ainda que a convivência familiar e fraternal seja relegada a segundo plano. Nesse novo mundo não há espaço para a gratuidade, para a poesia, para a contemplação.
Quando se candidatou pela primeira vez à Presidência da República, Lula causou um verdadeiro frisson no Mercado financeiro. Naquela ocasião Mario Amato, então presidente da FIESP, anunciou que, caso Lula fosse eleito, centenas de empresários deixariam o Brasil imediatamente. Por esse tempo, o PT (Partido dos Trabalhadores) ainda falava em calote na dívida externa, privatização e reforma agrária, temas que irritam ainda hoje o deus-Mercado. E houve, de fato, uma reação em cadeia. Os acólitos do Mercado – sobretudo os empresários da comunicação –, jogaram todas as fichas para que Lula, o metalúrgico, não chegasse à Presidência. O resultado todos nós sabemos. E tudo isso por quê? Porque Lula desagradava ao deus-Mercado.
Nas religiões antigas, era comum oferecerem sacrifícios humanos aos deuses. É nesse contexto, inclusive, que devemos compreender o quase-sacrifício de Isaac, por parte de Abraão. Porém, essa forma de sacrifico foi, mais tardiamente, substituída pelo holocausto de animais em muitas religiões. Os antigos acreditavam que os sacrifícios eram agradáveis a Deus. Na tradição judaica, essa ideia aparece desde o Gênesis, quando mostra que o sacrifício de Abel – que era um pastor – era bem mais agradável a Deus do que o do seu irmão Caim – um agricultor. Aliás, essa é a razão que Caim vai usar para justificar o assassinato do seu irmão Abel.
Destarte, eis que de repente, o que parecia ser algo do passado volta com uma força avassaladora em plena contemporaneidade. Segundo Jean Ziegler , relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, mais de dois milhões de pessoas morrem de fome a cada dia, mais do que pela malária, a AIDS e a tuberculose juntas. Tudo isso em nome do Mercado, do Capital e da estabilidade econômica. Os acólitos do Mercado aparecem diante das câmeras de TV exigindo sacrifícios, sugerem aos governos que façam cortes radicais na folha de pagamento, em lazer, esporte, educação e até – pasmem –, na saúde. A ordem é a lei do Estado mínimo, deixando tudo para a iniciativa privada. Enquanto isso, dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças são oferecidos diariamente em sacrifícios ao deus-Mercado.
Cronos, um deus da mitologia grega, casou com sua irmã Réia, com quem teve seis filhos: três mulheres e três homens. Com medo de ser destronado, ele engolia os seus filhos ao nascerem. Réia, porém, ao dar á luz a Zeus, deu uma pedra enrolada em um pano a Cronos, que engoliu em lugar de seu filho. Já adulto, Zeus, com a ajuda de Métis, dá uma poção ao pai que o faz vomitar os seus irmãos que ele havia engolido.
A mitologia e a religião, creiam, têm muito mais a nos dizer do que a ciência moderna. É um erro enorme milhares de seres humanos serem sacrificados diariamente em nome de qualquer Lei de Mercado ou projeto econômico. Segundo dados da ONU, mais de 50 milhões de trabalhadores já perderam seus empregos depois do advento da recente crise econômica mundial. Tudo isso para que os detentores do grande capital não tivessem perdas em seus lucros, que, segundo a lógica do Mercado, são sagrados.
A idolatria ao Mercado é de tal ordem que é comum ouvir dizer “o Mercado reagiu bem às medidas adotadas por determinado governo”; ou ainda “segundo diretor do Banco Mundial, medidas urgentes precisam ser tomadas para o Mercado se acalmar”. Entenda-se por isso, menos recursos destinados aos programas sociais, aos investimentos em creches, escolas, saúde pública, transporte coletivo e etc. Os idólatras do Mercado nunca falam em reduzir os lucros dos grandes conglomerados econômicos, mas falam largamente em sacrificar ainda mais os pobres, os excluídos e os desvalidos.
Poucos são aqueles que reagem às ordens do Mercado. E os que o fazem, não encontram espaço na grande mídia para se fazerem ouvir. São calados. Amordaçados. Afinal, a ninguém é concedido o direito de questionar a divindade. E o Senhor Mercado, o novo deus ao qual temos de prestar culto, que tudo vê e tudo pode, não deixará impunes aqueles que se insurgir contra ele.
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