A passividade febril e o flagelo do desamparo fazem com que camponeses e quilombolas se tornem presas fáceis da canalhice fundiária, forçados a vender sua dignidade e sua cultura, coagidos a ajoelhar-se por meia dúzia de violões, sanfonas, pandeiros e atabaques.
Apesar de todas as maquiagens e cacarejos governamentais, os remanescentes de quilombos que vivem em Paracatu continuam por aí, espremidos, amontoados, asfixiados e mergulhados na solidão dessa forma crônica de colonialismo. Não passam de meros acidentes no caminho da lúgubre e iminente nova barragem de estrumes tóxicos da RPM/Kinross.
O triste legado para as gerações futuras é de que ali no Vale do Machadinho, gênese de nossas mais límpidas águas – onde um dia existiram índios, aldeias, tribos, vasto cerrado, exuberante fauna e um aglomerado de negros que conseguiram driblar a escravidão e escapar dos criminosos portugueses – uma corporação estrangeira pretende erigir uma latrina para despejar suas fezes químicas sobre 1.400 hectarers de rica vegetação e culturas seculares.
No passado, o explorador branco substituía por boiadas as tribos que encontrava em seu caminho. Matando e escravizando o índio, o colonizador português exterminou toda uma nação. O genocídio transnacional parece não ter fim.
Também não é de hoje que sociólogos, antropólogos, ambientalistas, bispos, prefeitos, presidentes da república, filósofos de turno, jornalistas e outros cabotinos da mediana inteligência estão fazendo a mesma retórica e dizendo as mesmas obviedades sobre os direitos das populações tradicionais, sem contudo, conseguirem mudar absolutamente nada.
Um olhar mais atento revela um quê de atraso, alienação e miserabilidade latente. A passividade febril e o flagelo do desamparo fazem com que os camponeses e quilombolas se tornem presas fáceis da canalhice fundiária, forçados a vender sua dignidade e sua cultura, coagidos a ajoelhar-se por meia dúzia de violões, sanfonas, pandeiros e atabaques.
Nossa passividade também é sem igual. Deveríamos exigir muito mais pelo saque às nossas nossas riquezas e nossa saúde. Poderíamos, por exemplo, ter um Louvre tupiniquim às margens do Córrego Rico e estátuas em ouro puro para prestar homenagem à negra mais bela e ao primeiro garimpeiro que surgiu por estas paragens. Mas não. Preferimos mergulhar no mau caratismo sutil, nas doses de Paracatulina, nas abomináveis novelas globais, na rivalidade entre Cruzeiro & Atlético, nas feijoadas com orelhas e rabo de porco, na mesmice das exposições agropecuárias e nas apresentações do pároco-pop do momento.