Você já sentiu o gosto de fazer alguma coisa inusitada? Como num final de semana que se antevia monótono e, de repente, aparece algo que você, lá no fundo, estava desejando fazer, mas já havia descartado como muito difícil? Pois bem, no sábado passado, 1º de agosto, minha filha Helga me fez o convite: – Eu e Juan estamos indo para a Serra do Cipó; quer ir com a gente?
Há muitos anos eu tinha feito planos de ir à Serra do Cipó. Já tinha andado ali por perto – Lagoa Santa, Gruta da Lapinha -, mas desde que foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó me deu vontade de fazer uma visita. Se você não sabe, o Parque preserva uma vegetação de grande diversidade, sendo que muitas espécies somente são encontradas ali; além disso, sua fauna inclui espécies ameaçadas de extinção e ostenta uma bela paisagem de cerrados, cachoeiras, cavernas e sítios arqueológicos.
Saímos cedo, em direção a Cardeal Mota, localizada a uns 100 km a norte de Belo Horizonte. Nossa expectativa era fazer uma caminhada com um grupo de turistas. Logo vi que meus companheiros estavam bem preparados, com roupa adequada e levando uma sacola cheia de “víveres” – turista não anda no mato sem comida e, ninguém sabe explicar porquê, sem celular.
A estrada pra lá é ótima, do jeito que turista gosta, mas, ao passar por Lagoa Santa, senti uma grande decepção: desde que estive naquele lugar, uns 20 anos atrás, a cidade atropelou-se num trânsito intenso, expansão urbana desordenada, especulação imobiliária e lixo por toda parte. Daí, a gente começou um papo em cima de uma reflexão: os moradores das cidades grandes estão ávidos por um pedaço de natureza, ar puro, água limpa, mas têm que buscá-lo cada vez mais longe; entretanto, só conseguem isto por pouco tempo, porque logo virão mais pessoas que acabam destruindo aquilo que encontraram. Lagoa Santa já foi um refúgio da natureza, agora não é mais e dá pena ver no que se transformou.
(Não é isto em que Paracatu está se transformando? Na velocidade da ambição dos grandes negócios? Na degradação social e ambiental que nos amedronta?).
Até que chegamos a Cardeal Mota, no caminho repetem-se os lançamentos imobiliários, condomínios fechados, loteamentos mal estruturados e algumas placas indicativas de pousadas, clubes e hotéis-fazenda.
Pois bem, chegamos a este aglomerado de agências turísticas, bares, restaurantes e lojinhas de souvenires, que se chama Cardeal Mota. Daí, tirei a foto abaixo, pra mostrar “ondéqueutava”.
Lá na agência nos avisaram que três pessoas haviam desistido de cavalgar e que poderíamos tomar os seus lugares. A Helga e Juan, que estavam desanimados por terem que caminhar 14 km, ficaram entusiasmadíssimos com a cavalgada, e eu também, porque caminhada já faço por aqui. Tivemos apenas que fazer um pequeno percurso de carro até uma fazenda próxima aos limites do Parque, onde um grupo já nos aguardava.
A gente estava mesmo disposto a encarar com bom humor qualquer coisa que viesse, mas a nossa noção de cavalo era bem diferente dos pangarés que tivemos que montar. A Helga não se conteve: – É nesse aqui que eu vou montar? O bicho era o mais mirrado de todos, pequeno, magro, aspecto cansado, e trajando uma cela feia e suja.
Fomos em direção à Cachoeira da Farofa, a um hora e quarenta minutos de cavalgada, acompanhados por dois guias, um à frente e outro atrás do grupo. Eles montavam os bons cavalos. Os outros cavalos só andavam se o da frente andasse, corriam se o da frente corresse, mas paravam se não viam cavalo à frente.
Assim, gastamos muita energia tentando fazer cavalo andar, agitando cabresto, cutucando com os pés, mas tudo isso não nos impediu de sentir o gosto atávico do ser humano de montar esse “portentoso” animal, muito embora eles às vezes agissem como mulas de presépio, ali plantados e nós aos berros: Ahaaa!
O Parque, embora venha sofrendo incêndios criminosos, retirada ilegal de madeira e invasões, recupera aos poucos sua vegetação. Nas áreas baixas, predominam os campos rupestres pontilhados de palmeiras, talvez porque foram extensivamente exploradas pela pecuária. Ao longo das vertentes íngremes da Serra do Cipó, são vistas, em grande número, cachoeiras que despencam dos paredões de quartzito, cortando as matas ciliares.
A Cachoeira da Farofa, que fomos visitar, não tem muita água nesta época do ano, mas é bela e cai de 80m, esfarelando-se nas pedras (daí o nome Farofa) e formando uma piscina natural. Se você quiser entrar nessa piscina não pode ficar pensando muito e nem testando a água gelada. Entre sem pensar, seu pulmão vai puxar fundo e, mesmo que seus ossos queiram se congelar, você vai sentir o choque energético de um banho de cachoeira.
Além disso, o que dá mais para apreciar são as águas límpidas do córrego das Pedras e do ribeirão Mascates (onde tomei água com as mãos), a lagoa Comprida e, se você gostar de plantas, o cerrado com belas palmeiras. Mas não conte com os guias para lhe fornecerem qualquer explicação. Perguntei para um deles: – Qual o nome dessa palmeira? Ele me respondeu: – Não sei, a gente chama isso de coquinho! Infelizmente, essas agências de turismo dito ecológico nada sabem sobre ecologia, natureza, planta e animais silvestres; o objetivo é o negócio, mas eles não se dão conta de que precisamos de ciência para fazer negócio com a natureza.
Interessante, na volta os cavalinhos iam se animando à medida que o passeio terminava, eles pareciam ansiosos para se livrarem daqueles incômodos turistas.
Quando saímos do parque precisamos segurá-los nas rédeas para que não disparassem. Nós, por outro lado, estávamos exaustos e mal conseguíamos mover as pernas quando apeamos. Mas – quer saber de uma coisa? – valeu, valeu mesmo deixar na cidade o monótono e previsível sábado para curtir a liberdade, as águas límpidas, o ar puro e a bela paisagem da Serra do Cipó. Sentir que, apesar de todas as agressões, a Mãe-Natureza ainda está por aí, esperando de nós o amor com que ela nos recebe.
No pêlo, trouxe alguns carrapatos (vou terminar, tem um me coçando!).
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