Muita coisa, muitas lembranças e sentimentos deviam prender Jesus a Nazaré. Afinal, ali ele viveu boa parte de sua infância, sua adolescência e juventude. Ali estava seu lar, a pessoa amorosa de sua Mãe Maria, o pai adotivo (já falecido?… não se sabe), José, com quem certamente aprendeu ofícios de carpinteiro, possivelmente alguns familiares e, sobretudo, amigos da infância e adolescência. Na verdade, ali em Nazaré, estava boa parte de sua vida. E Jesus deixou tudo: familiares e amigos e mesmo ferramentas de seu ofício. Deixou tudo que amava e veio morar às margens do mar da Galileia, em Cafarnaum, cidade movimentada, entroncamento de rota comercial, o que certamente lhe dava maior mobilidade, mais gente a ser evangelizada.
Era o início de seu sonho missionário. Certamente, tudo de acordo com os desígnios da Providência divina e na hora certa: após a prisão de João Batista.
Diz-nos o Evangelho que, assim que João Batista foi preso, Jesus entra em ação, apresentando-se como a realização da antiga profecia de Isaías: terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar além do Jordão, Galileia da nações, o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, resplandeceu uma luz.
A luz de Deus brilha no horizonte da existência humana. Jesus entra em ação na periferia da Galileia, apresentando-se como luz para quem vivia na escuridão, na incerteza, à margem da dignidade humana, e anunciando a chegada do Reino de Deus, com proposta de fraternidade universal e de vida digna para todos. É sua pregação forte para a conversão, isto é, para a mudança de vida pessoal e social: paz em lugar de violência, fraternidade em lugar de ódio, tolerância e respeito à diversidade de qualquer espécie, perdão ao arrependimento e constante luta, implacável luta em defesa da vida.
Essa pregação ocorreu há mais de dois mil anos. E como continua atual, pois este é o grande desafio para os cristãos de hoje, porque, como se encontra entranhada em ódio e violência e permeada de injustiças nossa sociedade atual. Sinal claro da não acolhida do Reino proposto por Jesus. Conversão sempre foi, é e será acolher o Reino de Deus. E nisso cada um e todos nós estamos empenhados, devemos sentir-nos empenhados nessa proposta de conversão. Ah… Zabulão e Neftali… brilha aí a luz da libertação. E essa libertação atingirá, também, os pagãos que acolherão o anúncio do Reino.
Então, bem significativo que esse anúncio comece na Galileia, terra onde pagãos se misturam a judeus e, concretamente, em Cafarnaum, a cidade que, pela sua situação geográfica, é ponte para terras pagãs. Assim o anúncio libertador de Jesus apresenta, desde logo, uma dimensão universal. Convém insistir: aqui, conversão é mudança radical na mentalidade, nos valores, na maneira de viver. Significa reorientar a vida para Deus, organizar a vida de modo a que Deus e os seus valores passem a estar no centro da existência humana.
Só quando aceitarmos que Deus ocupe em nossa vida o lugar que Lhe compete, a humanidade estará preparada para aceitar a realeza de Deus. Só então o Reino de Deus será realidade no mundo e nos corações. Na sequência, Mateus apresenta Jesus a construir ativamente o Reino: suas palavras anunciam essa nova realidade. O Mestre itinerante pregava a palavra, ensinava a doutrina e curava os males da humanidade.
O insistente convite à conversão, os milagres, as curas, as vitórias sobre tudo o que estraga a vida e a felicidade das pessoas são sinais evidentes de que Deus já começou a reinar e a transformar a escravidão em vida e liberdade. Por fim, o Evangelho fala do chamado dos primeiros discípulos. É de admirar a disponibilidade dos primeiros chamados. A resposta imediata de Pedro e André, Tiago e João constitui um exemplo da conversão radical ao Reino e de adesão às suas exigências. Eles aceitam o desafio: serão pescadores de homens.
O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demónios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens. A tarefa dos discípulos que aceitam integrar o Reino será, portanto, libertar dessa realidade de morte e de escravidão em que muitos estão mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plenas. Estes quatro discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares, portanto, mesmo nos dias de hoje. Tais discípulos e discípulas devem responder positivamente ao chamamento, optar decididamente pelo Reino e pelas suas exigências, para se tornarem testemunhas da vida e da salvação de Deus no mundo de hoje.