Por: Carlos Lima (*Arquivista)
Pouco conhecido ou mesmo referenciado em tempos atuais, o velho Arraial da Tapera, localizado muito certamente na cabeceira do Ribeirão São Pedro, encontra-se, em especial, citado nos preciosos manuscritos disponíveis no Arquivo Público Municipal de Paracatu. Tais documentos tratam das eleições que ali aconteceram durante a segunda metade do século XIX, da divisão da fazenda de mesmo nome e localização e também da existência de uma escola rural durante a primeira metade do século XX.
Um imponente códice identificado como maço 02 do Fundo Câmara Municipal de Paracatu, tem em sua folha de nº 1 o termo de abertura datado de 17/01/1874 onde se lê: “Há de este livro servir para nelle [sic] se lançar os nomes dos cidadãos qualificados votantes d’esta Parochia [sic]”. Os dados laboriosamente registrados no manuscrito, a exemplo da renda mínima necessária, eram os pré-requisitos da legislação eleitoral do Império para o direito ao voto, considerado um “privilégio” à época. Alí se encontram, entre outros, menções ao 28º Quarteirão, que incluía as localidades de Tapera, Ribeirão de São Pedro, Alferes, Carapina e Cava, conforme registro às folhas 175 verso e 176.
Já os livros Registro de ATA (2 códices), do mesmo fundo documental, datados do final do século XIX, registram os acontecimentos da 8ª Seção Eleitoral do Arraial da Tapera sobre os pleitos para Juiz de Paz, Conselheiro Distrital, Presidente e Vice-Presidente do Estado (de Minas Gerais), Senado Estadual, Deputado Estadual, além de vereadores e Presidente e Agente Executivo Municipal (função similar a de Prefeito, à época!).
No maço 12 que contém o livro ATA aberto em 23/01/1894, em sua folha 6, registra-se a eleição para vereadores, Presidente e Agente Executivo Municipal e Conselheiros distritais, Juízes de Paz e Senadores Estaduais, como se lê: “Aos sete dias de setembro de mil oitocentos e noventa e quatro, na Tapera, distrito da Cidade de Paracatu, na Capela respectiva (N. Sra. da Abadia) e edifício dignado pelo juiz de paz, para nela ter logar a eleição da oitava seção eleitoral deste distrito às 11 horas da manhã, presente Caetano d’Araujo Pereira, presidente (da mesa), José Tiberio de Lima – secretário, Elias d’Araujo Pereira e Virgílio Barbosa de Brito, e Joaquim Felix d’Araujo Pereira tomaram assento aqueles na cabeceira da mesa e de um e de outro lado os demais mesários”.
Na mesma folha do códice (livro) acima, constata-se o comparecimento de 55 votantes qualificados naquele Arraial, como se lê: “Em acto continuo mandou proceder a ella (a chamada) pela cópia parcial do alistamento (dos eleitores), e avida [sic] pelo presidente da Câmara seguindo-se a ordem dos quarteirões. O que feito acudirão [sic] a chamada 55 eleitores que depois lançaram na urna feixada [sic] e rotuladas […].” Realizadas as apurações da urnas, vencia para Vereador / Presidente e Agente Executivo Municipal naquela cercania, o cidadão Manoel Caetano Pereira da Rocha, com 55 votos.
A riqueza de detalhes contida nas atas em análise aponta, inclusive, para uma considerável preocupação em que as eleições transcorressem dentro da normalidade e da lisura, quando se depara com a afirmação à folha 13 verso, do maço 12, de que “A mesa achava-se colocada em um recinto separado por uma grade. Sobre a mesa achava o livro d’actas [sic], o livro de presença a cópia de alistamento respectivo e uma urna contendo uma só abertura na tampa superior, a qual foi fechada à chave depois de verificarem as pessoas presentes que n’ella nada continha dentro”.
O processo de Divisão da Tapera, datado de 03/11/1911, que aponta a localização da dita fazenda como sendo na cabeceira do Ribeirão São Pedro, traz em seu memorial descritivo, à folha nº 51 verso, alguns detalhes sobre o lugar, a saber: “A não serem as casas de morada em péssimo estado de conservação com raras excepções [sic], as benfeitorias existentes são apenas dois pastos fechados a vallo e cerca de arame pertencentes do promovente (João Lopes Barroso, fl. 10 verso) desta divisão […]”.
Planilhas manuscritas dos anos 1927 e 1928, referentes ao ponto diário dos alunos da Escola Rural Mista de Tapera (maço 73), reforçam ainda a perpetuação daquele Arraial por mais algum tempo no contexto histórico do município de Paracatu. Em outubro de 1928, por exemplo, encontravam-se matriculados naquela instituição 62 alunos, conforme registro à folha de nº 49.
O Arraial da Tapera, onde outrora funcionara uma seção eleitoral, uma escola rural e também a Capela de N. Sra. d’Abadia, esta última sem maiores referências sobre sua subsistência, possui papel relevante na compreensão do passado distrital do termo de Paracatu.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é personal organizer. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
REFERÊNCIAS
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Livro ATA da 8ª Seção do Arraial da Tapera, Termo do Paracatu – Maço 12. 23 jan. 1894. 50 fls.
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Livro Registro dos nomes dos cidadãos qualificados votantes d’esta Parochia – Maço 2. 17 jan. 1874. 300 fls.
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Ponto Diário dos Alumnos [sic] da Escola Rural Mista de Tapera – Maço 73. Jan. 1927. 49 fls.
COMARCA DE PARACATU. Processo de Divisão da Fazenda Tapera – Pacote 124. 03 Nov. 1911. 114 fls.
FARIA, VANESSA SILVA DE. O processo de qualificação de votantes no Brasil Império: Perfil da população votante do distrito sede de Juiz de Fora, Minas Gerais (1872-1876). Juiz de Fora: UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 2011. Disponível em: < https://www.ufjf.br/ppghistoria/files/2011/01/Vanessa-Silva-de-Faria.pdf >. Acesso em: 10 nov. 2020