No tempo em que a correspondência manuscrita servia inclusive como instrumento legal e corriqueiro para notificar e fazer cumprir a justiça, descobre-se por meio dos autos de apreensão e arrolamento provisório do finado Antônio Gonçalves Alves, datado de 1872, uma autêntica e laboriosa carta que serviria de ponto de partida para todo um processo movido junto à Comarca de Paracatu.
Tratava-se de um pedido feito pelo inspetor de quarteirão do Pilar (Distrito de Patos de Minas), Sr. Joaquim Romualdo Pereira, ao Sr. Francisco Luciano de Tal em Paracatu, para que este viesse a “tomar contas de humas cargas de hum carro que vai carregado de toucinho huns porcos gordos e huns leitões; tudo isto V. S. tomará conta e venda, e juntamente procurará ahi na cidade huma conta que este dono destas cargas hera devedor nesça [sic] cidade”, registra-se no autêntico documento do século XIX.
O manuscrito, ainda com a marca do selo e repleto de abreviaturas, bem características daquele período, relata ainda o desaparecimento do proprietário daquele carregamento, ao afirmar que “O dito Antônio Gonçalves Alves passou a Paranayba (rio) no dia 14 deste [setembro de 1872] para alcançar a dita comitiva, do porto a duas légoas de distância e nunca mais alcançou até chegarem na Contagem, e daí veio o dito Sant’Anna a procura dele; e não o encontrou”. De acordo com a correspondência, compunham aquela comitiva o Sr. Antônio Telles (responsável pela carga), o Sr. Joaquim da Costa (o carreiro) e o condutor dos porcos, João Moreira de Sant’Anna.
Nas linhas a seguir do mesmo documento, o remetente Joaquim Romualdo Pereira congitára até mesmo a hipótese do dito negociante ter sido assassinado durante aquela viagem, como se lê no excerto: “Como hera do meu dever notifiquei humas praças, e demos busca dentro deste terreno e achemos, na cabeceira de hum capão próprio para fazer qualquer assassino, vestígios próprios que assassinou o dito Gonçalves negociante”.
Na folha 4 dos autos, destaca-se a apreensão do carregamento na cidade de Paracatu, a saber: “em uma das casas de hospedagem; na rua Calvario (hoje rua Temístocles Rocha), compareceu o Juiz Municipal Substituto Doutor Joaquim Pedro de Mello, comigo escrivão abaixo nomeado e assignado, em presença das testemunhas […] para o fim de se proceder a apreensão e arrolamento provisório de huma carregação de toucinho e alguns porcos de suã e de criar pertencente à Antônio Gonçalves Alves, morador no Pilar, Freguesia de Santa’Anna do Espírito Santo.
Na folha 3, dos autos de justificação, datados de 4/10/1872, anexados ao referido processo, o procurador Antonio Rodrigues Barbosa, então nomeado pelo herdeiro José Gonçalves Alves para reaver os bens apreendidos em Paracatu e deixados pelo seu desaparecido pai, requer ao Juiz Municipal “a competente licença para poder neste juízo inquerir testemunhas, e falar a tudo quanto for a benefício de seu constituinte; e espera o suplicante que atento a falta de advogados formados e mesmo provisionados, que há neste Termo (Vila de Santo Antônio dos Patos, Comarca do Rio Dourados) V. Sa. lhe conceda a licença requerida”. A curiosidade é o argumento de que havia uma escassez de profissionais do direito naquela Vila (Pilar), bem como a possibilidade “advogar” sem a formação acadêmica necessária.
No termo de quitação à folha 10 verso, tem-se o desfecho do processo em que o herdeiro José Gonçalves Alves recebe em Paracatu o que lhe fora por direito como se vê: “lhe forão entregues pelo depositário nomeado João Alves Bastos, a quantia de quatrocentos e trinta e sete mil oitocentos e oitenta réis, produto da venda em asta pública dos objectos constantes do auto da arrecadação retro, deduzidas as despesas judiciais da arrecadação, assim como despesas do custeio pagas pelo depositário”. Na mesma folha, o desaparecido Antônio Gonçalves Alves é mencionado como finado, embora não haja maiores detalhes sobre isso nos autos então pesquisados.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é personalorganizer. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
REFERÊNCIAS
FÓRUM DA COMARCA DE PARACATU. Autos de apreensão e arrolamento provisório dos bens de Antônio Gonçalves Alves. 11 Out. 1872. 18fls.
Patos de Minas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Patos_de_Minas. Acesso em: 13 out. 2020
Pilar (Patos de Minas). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pilar_(Patos_de_Minas). Acesso em: 13 Out. 2020