Sobrado da Rua Goiás. De como um fato “insignificante” se transforma em drama

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Quem passa na Rua Goiás, vendo a fileira de casas antigas e a Igreja do Rosário, encantadora na sua simplicidade, fica estarrecido com a existência de uma ruína bem na proximidade da esquina com a Avenida Quintino Vargas. O contraste ainda é maior, porque junto dela encontra-se uma edificação de estilo colonial das mais bem preservadas da cidade, onde funciona o Restaurante Flor de Alecrim, ponto obrigatório dos turistas que vêm à Paracatu, local muito bem harmonizado pela combinação da arquitetura com a excelente comida mineira.
No local daquela ruína, existiu um dos belos e escassos sobrados antigos, que se apresentava como expoente da arquitetura tradicional colonial, feita em adobe, madeira e cobertura em telhas coloniais, materiais construtivos do Séc. XIX.  Pertenceu ao Sr. Manuel da Silva Neiva (“Seu” Neneco), comerciante e político influente na cidade. Foi cadastrado pelo Decreto 2.465/98, mas os proprietários o demoliram parcialmente, apesar de notificados pelas autoridades administrativas.
A demolição quase completa do sobrado aconteceu no ano de 2004. Foi paralisada quando ali passou um membro do Conselho do Patrimônio Histórico (COMPHAP), o qual acionou a Secretaria de Obras, porque nenhuma demolição poderia ser concedida sem autorização do COMPHAP, que é o órgão gestor do Núcleo Histórico.
Portanto, há uma história de 15 anos, que se desenrola no meio jurídico como uma novela que, enquanto não chega ao seu final, vai deixando sua marca feia na cara da cidade. Raras são as pessoas que sabem o que aconteceu, porque o que chega à opinião pública são apenas versões apaixonadas que buscam apontar o “vilão” da história. E o vilão é, quase sempre, aquele mais fácil de ser apontado; e, neste caso, geralmente o dedo aponta para quem apenas buscou cuidar da coisa pública – o COMPHAP, aquele que denunciou o erro.
Qual é, então, a situação de fato das ruínas do Sobrado?
A Justiça Federal, julgando Ação Civil Pública movida originariamente pelo Ministério Público Estadual contra os proprietários, em 02/março/2016 proferiu sentença que, em linhas gerais, assim diz: o tombamento federal sobre o imóvel elimina a discussão sobre o seu valor histórico e a sua reconstrução deve ser submetida administrativamente ao IPHAN; os proprietários só poderão fazer intervenções com autorização dos órgãos/entidades respectivas e continuam impedidos de alterar quaisquer características do bem sem anuência estatal.
Por considerar a sentença amenizada em favor dos proprietários, que ficaram livres do ônus provocado pelo dano ao patrimônio histórico, o Ministério Público Federal deve apresentar recurso contra a sentença, em última instância do judiciário. Quantos anos mais teremos para que se chegue ao final deste imbróglio?
Em várias manifestações dentro do processo judicial do Sobrado, as autoridades judiciais e os técnicos que vistoriaram as ruínas da edificação são unânimes em apontar o estado de precariedade, a ameaça à saúde e à segurança pública e o dano que é provocado ao Núcleo Histórico de Paracatu.
Talvez, a história se repetirá conforme temos observado em outras situações no território brasileiro: quando um desastre provoca algo trágico todo mundo diz “eu sabia que ia acontecer”, mas ninguém, especialmente em se tratando de autoridade pública, mostra providência para que o “inevitável” não aconteça. As autoridades – executivo, legislativo e judiciário – se culparão de tal forma e com tal artimanha que todos nos sentiremos culpados, porque nunca tivemos coragem de denunciá-los ou pressioná-los para que assumam o dever de zelar pelo bem de todos.
Mas, para quem ama Paracatu, feiura de tal monta já é um desastre. Existe como dar solução desde já àquela “coisa” (vamos chamá-la assim, porque não encontrei adjetivo mais apropriado), antes que ali ocorra algo trágico? Sim. Há uma solução legal, amparada na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. A lei dá instrumento à administração pública municipal para intervenção, evitando-se o prolongamento deste processo que parece interminável. Trata-se do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), cuja inclusão na Constituição foi resultado de inciativa popular, com mais de 130 mil assinaturas. O PEUC permite a desapropriação com vista ao interesse público, com pagamento em títulos da dívida pública. É o mais incisivo instrumento de adequação da propriedade à sua função social.
No âmbito municipal, há grande preocupação em não melindrar pessoas cujas famílias têm importância política, mas estamos diante de um caso em que o interesse público precisa ser salvaguardado. Não se pode continuar denegrindo o Núcleo Histórico de Paracatu, com uma mancha tão exposta em sua face. Relativamente ao patrimônio Histórico, a municipalidade tem uma administração cuidadosa através da Secretaria de Cultura. É dessa administração que os paracatuenses podem esperar que o Sobrado volte a se harmonizar com o meio ambiente urbanístico da cidade.
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