Na minha ainda recente caminhada jurídica, pude presenciar centenas de casos de abandono parental. Por abandono parental, entende-se como o abandono afetivo, intelectual ou material do genitor. São casos em que pais, mesmo tendo consciência da responsabilidade sobre o ser gerado, nega-se a registrar ou, quando registra, deixa de prover ou dar suporte à criança nascida.
No Brasil, 5,5 milhões de brasileiros não possuem o nome do pai na certidão de nascimento. 11,6 milhões de famílias são formadas apenas por mães solo, ou seja, mães que criam seus filhos sozinhas.
O abandono material ocorre quando o genitor deixa de prover recursos básicos para a subsistência do menor. Como exemplo, temos os inúmeros casos de pedido de pensão alimentícia ou de execução de alimentos que incham as Varas de Família Brasil afora.
O abandono intelectual, por sua vez, acontece quando o genitor deixa de prover a educação primária do menor, aquela compreendida dos 4 aos 17 anos. Apesar de ser pouco falada, o número de crianças que não frequentam a escola regular ainda é muito grande. Estima-se que cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes não estão dentro da sala-de-aula.
O abandono afetivo, talvez o que mais traga consequências a níveis psicológicos para a criança e para o adolescente, define-se como a indiferença afetiva do genitor com relação ao filho(a). Mesmo que não haja o abandono material e o abandono intelectual, o abandono afetivo ainda pode ocorrer. Algumas decisões recentes dos tribunais, principalmente do STJ, têm concedido indenização por danos morais a filhos vítimas de abandono afetivo, partindo da premissa constitucional do descumprimento do dever legal de cuidado, educação e presença.
Uma questão instigante que paira sobre essa situação, é: por que a sociedade não condena o abandono de um filho por um pai como condenaria o abandono do mesmo por uma mãe? O abandono pela mãe é visto como algo muito mais condenável, embora seja corriqueiro na sociedade o "aborto paterno".
Infelizmente, ainda fazemos parte de uma sociedade patriarcal onde o cuidado com os filhos é atribuído unicamente às mães. Enquanto isso, diversas crianças e adolescentes crescem com a lacuna de um pai ausente e os tribunais continuam a receber as diversas reclamações, muitas vezes sem solução, tendo em vista as ardilosas artimanhas encontradas pelos pais para driblar os meios judiciais com intuito de garantir os direitos do menor.