O funeral do lavrador: sozinho morreu e foi enterrado o precursor da Reforma Agrária, fundador do PT e do Sindicato

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         Pobre e esquecido, morreu a 05 deste mês, em Vazante, e foi sepultado no dia seguinte, em Paracatu, com o providencial apoio da Secretaria de Assistência Social daquele município, segundo a secretária Sara Jane solicitado por familiares de Brasília, o polêmico e injustiçado ex-sindicalista Manoel Monteiro dos Santos.  Aqui, o falecido era mais conhecido como Mané Galinha, apelido que detestava e que, segundo informações não confirmadas dos mais velhos, teria adquirido por, em determinada época da vida, ter sobrevivido da compra e venda de galináceos.  Manoel fundou e presidiu o hoje potente Sindicato dos Trabalhadores Rurais, foi precursor da reforma agrária que viria no futuro,  fundador e primeiro presidente do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Mas nunca foi respeitado e reconhecido como tal, sendo  uma espécie de excluído – segmento em defesa do qual o partido que fundou aqui viria discursar depois.
          À época, o jovem PT, que ainda não conhecera o mensalão e o petrolão,  era considerado um partido diferente, de esquerda, ideologicamente consistente e puro, radical e sonhador, totalmente avesso à corrupção, ao clientelismo político e ao nepotismo. Sua direção municipal, então, foi depois entregue ao jovem engenheiro Jueli Cardoso, com perfil mais adequado aos novos tempos e que, embora tivesse participado da criação da legenda em Brasília, quando estudante, nem estava em Paracatu e muito menos participou da primeira diretoria  do Diretório local. A semente plantada por Manoel rendeu frutos, elegendo um prefeito, um deputado estadual e diversos vereadores. Os seus militantes posteriores, contudo, acharam mais chique badalar e promover ao status de fundador, por anos a fio, um engenheiro que retornava de Brasília-DF, alijando Manoel e dando um pontapé na história. Vergonha dela? Confirmação, também na esquerda local, da afirmação de Marx de que  a historiografia é a história dos vencedores?
          Os partidos políticos brasileiros foram extintos pela ditadura militar instalada em 1964, por meio de ato do governo do general Castelo Branco que, em 1965, em lugar deles, instituiu o bipartidarismo. A nova Aliança Renovadora Nacional (Arena) assumiu o compulsório papel de situação, cabendo ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) a missão oposicionista. Como de resto em todo o Brasil, duas legendas apenas foram insuficientes para abrigar todas as correntes políticas de Paracatu, nascendo aí o instituto da sublegenda (Arena-1, Arena-2 e assim por diante).
          Com a redemocratização, iniciada pelo general Geisel, e já no governo do seu sucessor, general Figueiredo, foi aprovada a nova Lei Orgânica dos Partidos, com a transformação do MDB em PMDB (a lei, de inspiração do general Golbery, marotamente, exigia a expressão “Partido” no nome da agremiação). A Arena (completamente desgastada e até odiada) foi transformada em Partido Democrático Social (PDS). Foi nessa época que, além de outros, nasceu o PT, proposta política nova e alternativa às velhas oligarquias de sempre. Em Paracatu, sopro dessa modernidade recaiu primeiro  sobre o  líder sindical Manoel Monteiro. Apesar da abertura política, ainda eram aqueles tempos conservadores, pós-ditatoriais, estrutura agrária dominada pelos latifúndios. Em tal caldo de cultura e também por acusação de excentricidades, o único líder sindical não era bem visto pela sociedade como um todo, inclusive pelos “barbudinhos do PT”.
          Em entrevista que fiz com o historiador Oliveira Mello, décadas atrás, ele observou que, de maneira geral, os comunistas (demais esquerdistas também?) históricos de Paracatu, uns mais outros menos, sempre foram considerados ricos.  Muitos eram filhos de latifundiários que, porque podiam, tinham dinheiro e recursos,   daqui saiam para estudar fora. Nos novos centros urbanos,  conviviam com ambiente político libertário diferente e voltavam com ideário mais   à esquerda. Se isso é verdade, não haveria no episódio um quê de exclusão, com os rebentos da elite de ontem, embora com inclinação à esquerda, vendo nele e descartando Manoel como um joão ninguém de agora? Afinal, como se sabe, a exclusão social nunca reserva tratamento igual aos ricos que  desfalcam milhões, mas trata o pobre que delinquiu, pejorativamente, como “ladrão de galinha”. Aceitariam os bem nascidos idealistas que uma luta linda e libertária fosse liderada por um “Mané  Galinha” qualquer?
          O Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Partido dos Trabalhadores que Manoel fundou e dirigiu, ao que se informa, nada fizeram ou choraram a sua morte. Tampouco foi homenageado pelos vários assentamentos da reforma agrária, pela qual ele tanto lutou, em defesa da qual tantas pressões enfrentou. Sozinho morreu. Seu fragilizado e envelhecido corpo baixou à cova. Poucos, muito poucos, derramaram lágrimas. Se fossem escolhidos um poema e uma trilha sonora para a ocasião, pegariam muito bem Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e a correlata música Funeral de um Lavrador, de Chico Buarque:
Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida (…)
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio (…)
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida.  
 

Do Toco do Pecado – Comentários de Florival Ferreira

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