O porquê de Toco do Pecado

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Do Toco do Pecado – Florival Ferreira.

Existiu na Praça da Matriz, desde a primeira metade do século passado, um tronco de árvore tombado no meio do jardim, providencialmente transformado em tosco banco. Como Paracatu não tinha rádio, jornal e muito menos televisão naquele tempo, pessoas dos quatro cantos da cidade ali se reuniam, todas as noites, do escurecer até altas horas. Chegavam, tomavam assento, soltavam a língua e relatavam o que estava a acontecer em sua área urbana. Os circunstantes, assim, ficavam sabendo, tintim por tintim, tudo que ocorria  na cidade.
Com o tempo, os habitués adicionaram pimenta à conversa. Passaram, então, a falar também de outros assuntos, inclusive da vida alheia! No dizer deles, “desciam o sarrafo em tudo”.  Mas, ainda que meio às avessas, havia ali uma democracia: falavam do rico e do pobre, do feio e do bonito, do alto e do baixo, do poderoso e do desvalido. Há controvérsias sobre a denominação, mas dizem que foi o então bispo, Dom Eliseu (ou teria sido Frei Norberto?), que, por isso, deu ao local o nome de Toco do Pecado. Era mais ou menos o que aparece na montagem, imagem revivida graças ao rico acervo do Lucas Foto e à genialidade de Glauber César, o mago da informática.
As pessoas morriam de medo do pessoal do Toco. É que a turma tinha a fama de descobrir até os mais guardados segredos, e, depois, deitar falação, não importa se o Brasil estivesse vendo sob uma ditadura – e, nesse ínterim, existiram duas: a do Estado Novo de Vargas e a militar pós 1.964 – ou gozando de  ares democráticos.  Por isso,  por exemplo,  quando famílias faziam festa no clube da elite, o Jóquei, cuja sede funcionava ali perto,  no prédio que hoje abriga  a Câmara, mandavam bandejas e mais bandejas  de bebidas e salgados para que maneirassem a língua. Pois os boquirrotos bebiam a cerveja, comiam os salgados e, depois, desciam “o sarrafo” no dono da festa assim mesmo. Coisas tipo “a cerveja tava quente,  o pastel  daquele unha de fome  não tinha carne”, por aí. Não tinha perdão.
O Toco, já sem o toco físico, mas com a mesma irreverência, foi depois para a porta do Cemitério Santa Cruz, no tempo em que “seo” Bastos era o zelador. A essa altura, já se transformara naquilo que os alemães chamam de volksgeist, a alma ou espírito do povo. Hoje, resquícios dele ainda existem numa lanchonete localizada na Avenida Quintino Vargas. Ali, tal qual no passado noturno, mas agora pontualmente às seis e meia da manhã, diariamente, faça chuva ou faça sol,  um grupo se encontra para, às vezes com muita pimenta, falar sobre tudo, literalmente tudo…

Depois de um intermezzo nesses quase quarenta anos de existência, aqui e alhures, esses comentários semanais estão voltando. Agora inspirados na ora muito séria, ora bem humorada, mas sempre construtiva, irreverência do pessoal do Toco do Pecado. Que saudade!  Descansem em paz, Tote de seu Matias e companhia limitada. E vida longa ao pessoal do, mutatis mutandis, atual Toco do Pecado. Amém. 

* Florival Ferreira – Do Toco do Pecado

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