Eu, Eduardo Coutinho e o Outro

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Eu, Eduardo Coutinho e o Outro – o dia em que entrevistei o maior documentarista brasileiro

Vinte e quatro de agosto de 2001 – menos de três semanas antes, portanto, do maior atentado terrorista da história do planeta. Foi o dia em que tive a oportunidade e o privilégio de entrevistar Eduardo Coutinho, ícone maior do cinema documentário brasileiro, morto de forma trágica no último dia 02 de fevereiro.
 
Eu era estudante de jornalismo da Universidade Católica de Brasília (UCB) e a entrevista, patrocinada pela própria universidade, fôra gravada com três câmeras, ao ar livre, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-DF). O registro serviria de base para o documentário “Coutinho e o Outro”, hoje utilizado como material acadêmico no curso de comunicação da UCB . À época, Coutinho ainda não havia realizado obras primas como “Edifício Master”, lançado somente no ano seguinte.
 
Logo à minha primeira pergunta, sobre o que o motivava a fazer documentários, meu entrevistado secamente disparou: “Ah, meu filho, eu não tenho analista mais. Você deveria falar com ele!”. Confesso que por um segundo me senti um pouco sem graça e inseguro, mas imediatamente o homem me tranquilizou, emendando de forma objetiva: “O que me motiva a fazer documentário é a vontade de conhecer O Outro e conhecer o mundo”.
 
Sob um céu escuro, que prenunciava chuva forte, falei sobre seus filmes, demonstrei conhecimento de causa e, aos poucos, consegui conquistar a confiança do coroa, à época com 68 anos.
 
Um cigarro após outro, o mestre deu uma verdadeira aula conceitual de como se fazer documentário – não esse documentário didático comum de TV, de edições mirabolantes estilo Discovery Channel ou GNT – mas um doc intimista e revolucionário, em sua forma aparentemente despretensiosa, porém sólida de conteúdo.
 
Mais à vontade, Coutinho foi apresentando detalhes de sua metodologia. “Os filmes que eu faço estão preocupados com a história cotidiana das pessoas anônimas, história com h pequeno, história do povo miúdo. O grande político, o grande médico, estes não me interessam. O homem público não me interessa porque ele se guarda, literalmente bloqueia a emoção e tudo o que fala é para proteger sua própria imagem, já que tem muito a perder. O anônimo tem pouco a perder pois sequer tem uma imagem pública. E quem tem menos a perder, tem mais  para dar”, revelou.
 
Caiu a ficha, caro mestre! Aprendi a lição! Com essas ideias na cabeça e uma câmera na mão, anos mais tarde eu realizaria curtas como “Meu Parceiro Julião”,  “Cerrado em Pé  e “Dente de Lobo, Bicho do Mato”.
 
Não fazer filmes contra a comunidade com a qual se filma. Essa premissa ética era outra regra na conduta de Coutinho. “Seja bandido, seja rico ou seja pobre, você não pode fazer filmes contra as pessoas com as quais você filma, porque eu não filmo carrasco nazista e etc, entendeu? Não posso prejudicar aqueles seres humanos que deram pra mim o seu maior tesouro, que é a história singular de suas vidas. É fundamental que essas pessoas não se sintam lesadas ou traídas. Em minha relação com O Outro, a primeira coisa é: ele não será julgado”, concluiu.
 
A entrevista durou cerca de duas horas e muito conteúdo interessante não pôde constar na edição do produto final (concluído com 46 minutos), como curiosidades a respeito da época em que trabalhou como diretor do Globo Repórter ( e elevou o documentário brasileiro à categoria de arte respeitada mundialmente ao filmar em película de 16mm para a TV) ou histórias quando trabalhou como roteirista em filmes clássicos do Cinema Novo, como Dona Flor e Seus Dois Maridos.
 
Como falei, o documentário “Coutinho e o Outro” é absolutamente inédito e de propriedade exclusiva da Universidade Católica de Brasília (UCB). Segue abaixo um pequeno trecho para aqueles que se interessarem.
 
Valeu por tudo, caro mestre! Descanse em Paz!
 

* Sandro Neiva é jornalista e documentarista

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